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Coluna

Qual o custo do Hospital São Vicente de Paulo ao DF?

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"O HSVP é, portanto, um obstáculo ao avanço do cuidado em saúde mental no DF". - Foto: Jhonatan_Cantarelle/ SES-DF
O GDF gasta quase R$6 milhões por mês para manter um manicômio, público e ilegal

No presente artigo, argumentamos qual o custo da manutenção do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) ao Distrito Federal (DF). Argumentamos que tal custo não é apenas financeiro, mas sobretudo político e ético, atrapalhando o avanço de uma Rede de Atenção Psicossocial e da assistência em saúde mental no DF.

Para isso, nos valemos de valores mensais médios de custeio do HSVP, dentre outros serviços da RAPS do DF, fornecidos pela Secretaria de Estado da Saúde do DF (SES-DF). Estes dados foram fornecidos a nós por meio de uma solicitação por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Eles equivalem ao mês de agosto de 2023. Além disso, também trabalhamos com outros dados públicos, fornecidos por órgãos estatais.

De acordo com a SES-DF, o custo mensal médio do HSVP é de R$ 5.777.986,25. No ano, o valor chega a R$ 69.335.835,00. Do custo médio mensal, R$ 45.727,65 se volta para as despesas gerais, R$ 52.308,19 para material de consumo, R$ 808.560,96 com serviços de terceiros e R$ 4.871.389,46 com os(as) trabalhadores(as) do HSVP.

Não queremos reproduzir aqui discursos que buscam satanizar os gastos públicos, sobretudo em serviços da saúde. Pelo contrário, defendemos mais investimento e gastos no Sistema Único de Saúde (SUS) e outras políticas sociais. Hospitais, por exemplo, são serviços que demandam um grande montante de investimento estatal para a sua manutenção (estrutura, equipamentos e insumos), para o pagamento adequado dos(as) trabalhadores(as) etc. Inclusive, no caso da saúde mental do DF – e das políticas como um todo –, a não realização de concursos e a não nomeação de servidores intensificam um cenário de condições de trabalho cada vez mais precárias, com um profundo déficit de profissionais que, por conta disso, se encontram sobrecarregados, quando não adoecidos.

Contudo, não estamos falando aqui de um hospital geral, mas de um hospital psiquiátrico, um manicômio, que não só é manicômio, mas é público e ilegal.

Ou seja, o GDF gasta quase R$6 milhões por mês para manter um manicômio, público e ilegal; quase R$70 milhões por ano em uma ilegalidade manicomial. E essa ilegalidade já dura mais de 28 anos.

Como temos repetido – nesta coluna e em variados espaços –, a Lei Distrital nº 975, de 12 de dezembro de 1995, que “fixa diretrizes para a atenção à saúde mental no Distrito Federal e dá outras providências” institui, no Parágrafo 3º, § 2º, que: “Os leitos psiquiátricos em hospitais e clínicas especializados deverão ser extintos num prazo de 4 (quatro) anos a contar da publicação desta Lei”.

Ou seja, desde 13 de dezembro de 1999, o HSVP é ilegal, afinal é um hospital especializado (psiquiátrico) com leitos psiquiátricos. 

Além disso, no Art. 4º da mesma Lei, consta: “Ficam proibidas, no Distrito Federal, a concessão de autorização para a construção ou funcionamento de novos hospitais e clínicas psiquiátricas especializados e a ampliação da contratação de leitos hospitalares nos já existentes, por parte da Secretaria de Saúde do Distrito Federal”.

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Para se ter uma ideia, no DF existem apenas 45 leitos clínicos em saúde mental em sete hospitais gerais e 122 leitos psiquiátricos em quatro hospitais, sendo que 83 destes estão no HSVP.

Por fim, a existência do HSVP também desrespeita a Portaria 3.088, de 23 de dezembro de 2011, do Ministério da Saúde, que institui a RAPS2. Nela, o nível de atenção hospitalar é composto por leitos em enfermarias de Hospitais Gerais, e não em hospitais psiquiátricos, como o HSVP.

Fechamento do hospital

Quando falamos do fechamento do HSVP, geralmente nos perguntam o que será feito com as pessoas que se encontram nele, caso ele seja fechado. Para as pessoas que estão genuinamente interessadas, procuraremos dar algumas sinalizações para uma política de desinstitucionalização na saúde mental do DF que passe, obrigatoriamente, pelo fechamento do HSVP.

Na mesma resposta com os valores do HSVP, a SES-DF repassou também os valores de 3 CAPS gerais, sendo 2 deles CAPS do tipo III. Além destes, também nos repassou os valores médios mensais de 5 CAPSad, sendo 2 deles CAPSad tipo III. Façamos uma comparação, então, com os valores médios mensais de custeio destes 2 CAPS III e 2 CAPSad III, afinal, possuem funcionamento 24h, inclusive em fins de semana e feriados, possuindo também leitos para acolhimento noturno.

Sobre os 2 CAPS III, os valores médios mensais são de: R$ 855.780,64 e R$4 24.350,40. A média dos dois é de R$ 640.065,52.

Conforme informamos no artigo passado desta mesma coluna, quanto aos dois CAPSad III que obtivemos informações, os investimentos médios mensais são de: R$ 948.233,23 e R$ 1.742476,33. Fazendo uma média entre os dois, temos R$ 1.345.354,78 mensais.

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Cruzando os valores médios mensais do HSVP (R$ 5.777.986,25) com a dos dois CAPS III (R$ 640.065,52), temos que o custo mensal do HSVP é suficiente para custear mais nove CAPS III.

Segundo o Ministério da Saúde, os CAPS III podem ter até 5 leitos, de modo que poderíamos chegar a 45 leitos no total. E, novamente, estamos fazendo estes cálculos com base na média de custeio mensal de dois CAPS III. Se fôssemos fazê-los baseado no CAPS III com menor valor (R$ 424.350,40), o custo do HSVP seria suficiente para manter 13 CAPS III, totalizando 65 leitos.

Já com relação aos dois CAPSad III, poderíamos utilizar o valor médio mensal do HSVP para mais 4 CAPSad III. Novamente de acordo com o Ministério da Saúde, os CAPSad III podem ter até 12 leitos, o que significaria 48 leitos para acolhimento noturno a pessoas com sofrimento psíquico intenso e necessidades de cuidados clínicos contínuos. Tomando como parâmetro o CAPSad III com menor valor médio mensal (R$948.233,23), manteríamos 6 CAPSad III, totalizando 72 leitos.

Um dos problemas dessa comparação é a transposição de níveis de atenção diferentes (atenção hospitalar e atenção psicossocial especializada). Contudo, a construção de mais CAPS tipo III no DF (sejam eles gerais ou AD), considerando seu funcionamento 24h todos os dias e os leitos para acolhimento noturno pode significar um menor número de internações de curto ou curtíssimo prazo em hospitais gerais, da mesma forma que os próprios CAPS III e CAPSad III, com suas estruturas, seriam capazes de acolher uma parte significativa dos casos que acabam indo para a atenção hospitalar.

Por mais que em ambos os casos não se atinja o número de leitos que atualmente o HSVP mantém (83), é também necessário considerar que a manutenção de um serviço hospitalar, ainda mais um hospital psiquiátrico, tende a ser muito mais onerosa do que a de um CAPS, em termos de estrutura, materiais, equipe.


Leitos do Hospital São Vivente de Paulo / Foto: Jhonatan_Cantarelle/ SES-DF

Afinal, os CAPS são (ou devem ser) serviços de caráter territorial-comunitário, pautados pelo modelo psicossocial.

Infelizmente, não temos os valores médios mensais dos leitos em enfermarias nos Hospitais Gerais do DF. Assim, não conseguimos fazer uma comparação dentro do próprio nível de atenção hospitalar da RAPS, ou seja, entre os valores do HSVP e dos Hospitais Gerais que possuem leitos em enfermarias para saúde mental álcool e outras drogas no DF. Contudo, podemos fazer uma análise aproximativa, estimativa, a partir de dados nacionais.

Segundo o Ministério da Saúde, ao final de 2022, tínhamos 322 Hospitais Gerais no país com 1.952 leitos em enfermarias em saúde mental, álcool e outras drogas habilitados e compondo a RAPS; uma média de 6 leitos para cada Hospital. O custeio anual de todos estes leitos foi de R$ 131.411.216,64. Ou seja, cada leito custou R$ 67.321,32 por ano e R$ 5.610,11 por mês. Cruzando mais uma vez com os valores mensais médios do HSVP, caso este fosse fechado, teríamos um montante capaz de manter mais 1.029 leitos em enfermarias para saúde mental, álcool e outras drogas.

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Evidentemente que temos ciência que a realidade não é tão simples quanto uma comparação por cálculos matemáticos, sobretudo de serviços distintos. Em alguns dos casos não só comparamos os valores mensais de serviços bastante diferentes, como equiparamos valores de toda uma estrutura hospitalar com o de leitos. Sabemos, portanto, das lacunas do presente exercício.

Contudo, mesmo com elas, acreditamos que o exercício aqui proposto tem um efeito didático de demonstrar como que o HSVP atrapalha a expansão da RAPS do DF. Muito se diz que o HSVP ocupa um espaço lacunar na RAPS do DF.

A partir dos dados apresentamos, constatamos que tais lacunas se devem à própria manutenção – ilegal – do HSVP. Um dos custos do HSVP é não termos no DF mais CAPS III, CAPSad III, leitos em enfermarias de Hospitais gerais, entre outros serviços substitutivos – numa RAPS já bastante precária.

O HSVP é, portanto, um obstáculo ao avanço do cuidado em saúde mental no DF.

Assim, o custo do HSVP não é só financeiro, mas político. E é inestimável, incalculável, em magnitude e qualitativamente, no que se refere aos danos que ocasiona ao Sistema Único de Saúde (SUS), à Reforma Psiquiátrica, à rede, aos profissionais e aos usuários, por mais que, em alguns casos, possa sanar lacunas da própria rede e prestar assistência devida a algumas pessoas.

Ao contrário do que se possa pensar automaticamente, essa lacuna que ele supostamente sana, ele mesmo que cria, com a sua permanência – ilegal – em pleno 2024, atrapalhando a criação ou o fortalecimento de outros serviços – não manicomiais e mais efetivos. E um dos motivos de ele não conseguir sanar uma lacuna que ele mesmo cria é porque se trata de um serviço manicomial.

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Nesse sentido, temos que o custo do HSVP também é ético. Como uma série de pesquisas, vistorias ou mesmo denúncias de pessoas que nele foram internadas e violentadas apontam: o HSVP não onera apenas o Estado, mas a sociedade, em decorrência da sua violência – que não se resume aos atos mais extremados e aguçados de violência que, por vezes, são publicizados – e em termos da desumanização na qual se fundamenta e materializa como instituição manicomial.

E tudo isso vai além da boa vontade de muitos(as) trabalhadores(as) que nele atuam e temos certeza de que se empenham o máximo em seus trabalhos, tentando fazer o máximo possível. Não se trata aqui de um debate personalista, individualizado, mas de uma instituição que, mesmo passando por reformas (na estrutura, técnicas etc.) é irreformável, pois sua natureza (social) é desumana e desumanizante.

Como buscamos demonstrar, ao fazer uma comparação com os leitos em enfermarias de Hospitais Gerais, o problema também não é a internação em si, mas a internação em um serviço manicomial.

Não à toa, um dos avanços da Reforma Psiquiátrica brasileira foi instituir que, no caso de haver necessidade de internação, que seja feita em Hospital Geral, e não nos manicômios (hospitais psiquiátricos), algo que o DF, mais especificamente o GDF – em várias gestões, não só a atual – vem desconsiderando solenemente.

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O HSVP custa vidas e custa às pessoas violentadas, suas famílias e ao próprio Estado, ao passo que a violência dele é também sua, afinal, é o Estado que o sustenta.

Muito se fala em Barbacena, no Hospital Colônia, dentre outros manicômios que ganharam certa notoriedade no país como se estivessem distantes geograficamente ou no tempo. No entanto, temos convivido pacificamente com o HSVP do nosso lado. Barbacena e o Hospital Colônia são o Distrito Federal, Taguatinga, 2024!

Como buscamos esboçar, mesmo com todos os problemas e insuficiências da presente análise, há, sim, saída. E ela passa pelo fechamento do HSVP.

Por isso, tornamos a repetir – o quanto for necessário: pelo fechamento do HSVP!

Pelo fim dos manicômios!

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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Márcia Silva