Distrito Federal

Intransigência

GDF ameaça realizar desocupação forçada em prédio que antes estava abandonado

Imóvel localizado no Guará foi ocupado para apoiar vítimas de violência doméstica

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Ocupação nasceu em um prédio abandonado há mais de 10 anos, que passou por limpeza e vem sendo revitalizado pelo Movimento, que pretende recuperar sua função social. - Foto: André Ribeiro

A Administração Regional do Guará, no Distrito Federal, ameaça realizar um desocupação violenta da Casa de Referência Ieda Santos Delgado, na QE 25, localizada próximo à estação Feira do Metrô-DF. Há pouco menos de um mês, o imóvel foi ocupado pelo Movimento de Mulheres Olga Benário, que transformou o lugar em um espaço de acolhimento e apoio para mulheres em situação de violência doméstica. 

Ontem (16), durante uma reunião do grupo com com administrador do Guará, Roberto Nobre da Silva, não houve consenso e o gestor informou que vai realizar a desocupação do local "a qualquer custo". Integrantes do coletivo de mulheres temem uma ação violenta da polícia, que pode ocorrer a qualquer momento.  

"A Administração demonstrou não ter nenhum espaço para diálogo, se mostrando inflexível com a decisão de desocupar, a qualquer custo, a área da Casa Ieda, antiga Casa de Cultura do Guará. Se executada, a desocupação consistirá num ato de violência à vida das mulheres com direito a manifestação de priorização do lucro a partir da privatização do imóvel, que já estava há mais de 10 anos abandonado, sem cumprir função social", destacou o Movimento em nota pública.

O imóvel estava abandonado há mais de 10 anos, sem destinação formal. Em pouco mais de três semanas de ocupação, o movimento já promoveu diversas atividades, como oficinas de qualificação profissional, atendimento psicológico e jurídico, além de aulões preparatórios para a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Também foi criada uma horta agroecológica, reparos emergenciais na casa e uma revitalização da fachada. 

"A Casa Ieda Santos Delgado foi abraçada pela comunidade do Guará, incluindo a comunidade cultural, que está sensibilizada, num espaço que faz parte da memória cultural da cidade", afirma Samara Mineiro, uma das coordenadoras da casa.


Até mesmo uma horta agroecológica foi plantada em poucas semanas de ocupação: soberania alimentar para mulheres vítimas de violência / Foto: André Ribeiro

Construído em meados da década de 1980, o imóvel já foi restaurante (de 1984 a 1987), centro de umbanda e Casa de Cultura,  e chegou a receber show de Alceu Valença. 

"Que governo é esse que prefere deixar um prédio vazio ao invés de abrigar e acolher mulheres em situação de violência?", questiona Maysa Guedelha, outra coordenadora da ocupação.

Resposta 

Procurada, a Administração do Guará alegou que "está impedida legalmente em permitir a ocupação irregular de imóveis públicos". Ainda segundo a pasta, a casa atualmente é objeto de parceria público-privada para a instalação do novo Centro de Convivência do Idoso (CCI), em fase de licitação. A administração não informou quando esse novo equipamento público será disponibilizado.

Sobre a reunião feita com o movimento de mulheres, o órgão disse que é preciso aprovar um projeto para a realização de atividades no espaço público, o que só teria ocorrido nesta quarta-feira (17). 

"O pedido de análise para a permanência do grupo só ocorreu nesta quarta-feira (17) depois de tentativas frustradas de comunicação com as ocupantes. Somente após notificações extrajudiciais de desocupação foi possível viabilizar uma reunião pessoalmente com o grupo. Durante a reunião com o administrador regional foram apresentados os projetos bem sucedidos de apoio às mulheres em situação de violência doméstica, como o 'Pró-Vítima' e a possibilidade em unir forças entre o propósito do movimento de amparo às mulheres com o já existente e consolidado projeto do GDF, mas a tentativa de unir as parcerias foi negada pelo movimento", informou a assessoria da administração regional. 

A informação foi rebatida pelo movimento. "Desde o primeiro momento, a gente tenta um diálogo e marcar reuniões com eles, pra gente tentar um acordo. Essa reunião só foi conseguida na última vez que eles vieram aqui, já com o DF Legal, que é um órgão de despejo", diz Samara Mineiro.

Ainda segunda ela, o movimento não se negou a fazer parceria. "O DF é a sétima unidade da Federação onde mais se mata mulheres e que mais da metade delas já tinham prestado queixa e não tiveram uma rede de proteção suficiente, então essas iniciativas do GDF não são adequadas nem suficientes. A gente quer atuar em parceria, junto com o Estado e fazer parte dessa rede", observou.    

Saiba mais

A ocupação, é a 13ª do Movimento Olga Benário no país, sendo a primeira no Centro-Oeste, foi batizada de Casa Ieda Santos Delgado, em homenagem à militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) durante a ditadura militar, estudante que se formou em ciências jurídicas e sociais pela Universidade de Brasília (UnB), em 1969. Devido à sua atuação política, que se iniciou ainda no movimento estudantil, foi presa pelo regime em abril de 1974, quando desapareceu. A Comissão Nacional da Verdade concluiu que Ieda foi torturada, morta e enterrada pelos militares.

:: Prédio abandonado é transformado em lugar de acolhimento para mulheres em situação de violência ::

Segundo as organizadoras da ocupação, o espaço surge no vácuo de assistência deixado pelo fechamento da Casa da Mulher Brasileira e da necessidade de acolher as vítimas de violência doméstica no DF. Diariamente, a Casa Ieda conta om programação de oficinas culturais e práticas oferecidas por profissionais voluntários.  

A ocupação recebe doações de itens de higiene pessoal, alimentos não perecíveis, colchões, roupas de cama, eletrodomésticos, entre outros (a lista de itens necessários está disponível no Instagram do movimento. Além disso, doações podem ser feitas via Pix, por meio da chave [email protected]. Neste mesmo email, é possível contribuir oferecendo serviços voluntários.

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Edição: Flávia Quirino