Distrito Federal

Repercussão

Parlamentares e organizações apontam falta de transparência e diálogo com população sobre privatização da Rodoviária

A concessão pode afetar mobilidade urbana, geração de renda e até patrimônio histórico

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Mobilização contra privatização da Rodoviária do Plano Piloto - Brasil de Fato DF

Após aprovação do PL 2260/21, que propõe a privatização da Rodoviária do Plano Piloto, na madrugada desta quarta-feira (13) na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), parlamentares e movimentos sociais se manifestaram sobre o tema. 

O projeto foi aprovado com 16 votos da base aliada ao governador Ibaneis Rocha (MDB) na Câmara. Seis dos sete votos contrários foram de parlamentares de oposição que se mobilizaram ao longo dos últimos meses para tentar barrar o projeto. A deputada Paula Belmonte (Cidadania), que se declara independente na CLDF, se juntou aos deputados de oposição no voto contrário à privatização.

Presidente da Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana (CTMU) da CLDF, o deputado distrital Max Maciel (PSOL-DF), foi um dos líderes da mobilização contra o PL. Durante nove horas de discussão em Plenário, em que foi debatido artigo por artigo da proposta, o parlamentar solicitou que o governo apresentasse dados mais precisos sobre a concessão. 

“Nós não estamos torcendo contra a Rodoviária, a gente só está pensando que outra forma é possível. E essa forma era possível com o Estado organizado e dando oportunidade para a Rodoviária usufruir do que ela pode estar dando agora para concessão”, afirmou após o fim da votação. O deputado prometeu acompanhar o desenrolar do que classificou como “crime”, mas avaliou que “pela história do DF, certamente a empresa vai lucrar muito e a população vai receber bem pouco”. 

O deputado distrital Fábio Felix (PSOL-DF) também se comprometeu a continuar lutando “contra esse projeto absurdo”. “Privatizar a Rodoviária do Plano Piloto não é a solução para resolver os problemas, causados pela escolha política de Ibaneis de deixar o local abandonado e precarizado. O governo tem dinheiro e condições para fazer uma boa gestão do local. Falta vontade de cuidar do povo!”, completou. 

Felix foi relator do PL na CTMU, onde foi impedido de fazer a leitura integral do seu relatório contrário à privatização. O texto foi reprovado pela base aliada ao governador na Câmara. “Vocês acham que uma privatização imposta no atropelo pelo governo Ibaneis é para beneficiar o povo?”, questionou.

Líder do PT na CLDF, Chico Vigilante, lamentou a aprovação do projeto, que aconteceu apesar de ter “lutado ferozmente” contra a privatização e “em prol dos permissionários e dos usuários”. “Continuaremos vigilantes e atentos, fiscalizando de perto a empresa que assumirá a concessão”, prometeu.

Privatiza que melhora? 

Um dos argumentos repetidos pelos parlamentares que votaram a favor do projeto de privatização da Rodoviária é o de que a concessão para a iniciativa privada é a única saída para contornar os problemas enfrentados no espaço. O deputado distrital Gabriel Magno (PT-DF), no entanto, discorda. “Essa premissa de que ‘se privatizar, vai melhorar’ é mentirosa! Essa não é a realidade das concessões e privatizações feitas no DF. Privatizaram e venderam a CEB, a saúde pública com o Iges-DF e até o estacionamento do Centro de Convenções. Tudo só ficou mais caro e piorou!”, defendeu. 

Na avaliação do presidente da CUT-DF, Rodrigo Rodrigues, a proposta de privatização do GDF demonstra “uma total falta de interesse do executivo local em responsabilizar-se com os patrimônios públicos da cidade”. Segundo ele, o orçamento distrital tem recursos suficientes para custear “as melhorias necessárias na rodoviária sejam implementadas pelo próprio governo”. “Novamente percebemos que o compromisso do atual governador não é com a população do DF, mas com poucos empresários que deverão lucrar às custas da privatização”, completou.

A senadora Leila Barros (PDT-DF) também defende que o projeto de concessão não é a melhor solução. "A decisão de privatizar a rodoviária do Plano Piloto evidencia a falta de competência do GDF na gestão pública. Ao vender o local como está, o GDF parece negligenciar a importância de manter e melhorar um patrimônio importante para os brasilienses”, afirmou ao Brasil de Fato DF.

Magno também destacou que a Rodoviária é uma área tombada e, por isso, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) precisa autorizar qualquer projeto arquitetônico no local, o que não aconteceu. “Mais uma prova de que a venda da rodoviária é ilegal”, afirmou o parlamentar. 


Rodoviária do Plano Piloto faz parte de área tombada do DF / João Cardoso/Agência Brasília

O impacto da privatização

Outra parlamentar que votou contra a privatização foi Dayse Amarílio (PSB-DF). Ela destacou como o projeto de concessão da Rodoviária pode impactar na vida da população do DF. “A empresa que ficar responsável pela gestão, vai explorar durante 20 anos a rodoviária e receberá algo em torno de R$ 36 milhões por ano. Fez as contas? Um singelo montante que totaliza quase R$ 720 milhões. Pasmem, o GDF terá retorno de apenas 4%, ou seja, R$ 1,8 milhões/ano”. 

Segundo o projeto, o lucro da empresa responsável pela gestão da concessão virá de quatro tipos de fontes: cobrança por acostagem dos ônibus; estacionamentos; publicidades nos painéis e aluguel de pontos comerciais. Ou seja, os ônibus terão que pagar uma taxa de estacionamento para embarque e desembarque de passageiros.

“Com tudo isso, fica a pergunta: quem arcará com essas taxas? Os empresários de ônibus ou você? Com toda certeza, você”, afirmou a deputada. 

Além do aumento das tarifas para os usuários do transporte público, a senadora Leila Barros (PDT-DF) destacou que os estacionamentos da região central de Brasília, antes públicos, também serão afetados pela privatização, gerando um custo extra. “Por isso, esse processo deveria ser precedido por debates com aqueles que serão mais impactados. Isso revela a falta de comprometimento do GDF com a democracia e com a transparência na tomada de decisões tão impactantes”, disse. 

Falta de diálogo com a população

A Rodoviária do Plano Piloto recebe diariamente cerca de 800 mil pessoas. Representantes de movimentos sociais criticam a falta de escuta dos usuários e de participação popular na discussão do projeto de concessão. “O governo deveria ter feito um processo de consulta pública. Poderia ter feito um diálogo com a população sobre o que o povo pensa sobre isso”, cobrou Rud Rafael do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto no DF (MTST-DF). 

O militante também criticou a tramitação do PL 2260/2021 na CLDF. “Deveria ter sido feita uma tramitação diferenciada dentro da Câmara Legislativa, deveria ter passado por outras Comissões, pelo fato de ser patrimônio cultural tombado. A gente vê como um verdadeiro escândalo esse processo de privatização, que vai ter um custo direto para a população”, afirmou.


"O GDF tem autonomia política e orçamentária para modernizar e gerir o complexo da Rodoviária do Plano Piloto, mas opta por onerar a população" / Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O texto foi aprovado em tempo recorde e com algumas manobras. No dia 17 de novembro, por exemplo, a sessão extraordinária da  Comissão de Assuntos Fundiários (CAF) que aprovou o projeto durou apenas 38 minutos e foi realizada de forma remota. Na ocasião, o deputado Gabriel Magno questionou a modalidade da reunião, já que a resolução da CLDF que prevê encontro remoto o condiciona ao impedimento da presença dos deputados em razão da covid-19

Kelly Sanny do Levante Popular da Juventude também avalia que o projeto foi aprovado de “forma atropelada”, sem a discussão necessária. “Infelizmente, a gente não sabe como vai ficar direito”, afirmou Sanny em relação às lacunas que ficaram sem respostas do governo, como o futuro dos ambulantes e lojistas que vendem seus produtos na Rodoviária. 

“Infelizmente, a gente não tem um índice bom de pessoas com emprego fixo no DF, inclusive também entre os jovens. Então, são muitas pessoas vendendo seus produtos, aproveitando dessa pluralidade e da grande circulação de pessoas ali [na Rodoviária]. E isso é muito importante para que essas pessoas tenham como sobreviver. Com essa concessão da Rodoviária, a gente não sabe como é que isso vai ficar”, lamentou. 

A ativista também lembrou dos serviços públicos, como o posto do Na Hora e o serviço de saúde de testagem e acolhimento de ISTs, que igualmente ficaram sem previsão no projeto de privatização. “É uma série gigante de retrocesso, de exploração do nosso povo”, afirmou.

Para Tobias Pereira, do Movimento de Trabalhadores por Direitos no DF, a privatização demonstra que o Governador atua contra o povo. “O Ibaneis faz grandes obras de infraestrutura, como viadutos, que até melhoram o trânsito, mas a maior parte da população, que anda de ônibus, vai ter a sua rodoviária principal privatizada. E privatizar é aumentar o custo da passagem de ônibus, é aumentar o valor dos alimentos que são consumidos lá, então, isso tudo piora a qualidade de vida da classe trabalhadora”. 

Além disso, o militante do MTD observou que a privatização vai “expulsar e desempregar dezenas de famílias de ambulantes que tira seu ganha pão dali. Ibaneis quer transformar um serviço público essencial, em privado, para gerar lucro para um grupo de empresários”.

Movimento estudantil 

Diariamente, milhares de estudantes utilizam o transporte público para chegar à Universidade, especialmente o 110, que faz o trajeto entre a Rodoviária e a UnB. Por isso, a privatização que afeta a mobilidade urbana é motivo de grande preocupação para o movimento estudantil.

“A gente sabe que essa cidade não é pensada para a juventude da periferia, e privatizar a rodoviária é condenar mais ainda essa juventude, que já luta tanto para acessar o ensino, acessar trabalho e renda, e agora vai ter que lutar mais ainda para acessar minimamente a mobilidade”, criticou a diretora de Relações Institucionais da União Nacional dos Estudantes (UNE), Sofia Cartaxo. 


Milhares de estudantes passam pela Rodoviária do Plano Piloto diariamente para chegarem à UnB / Murilo Abreu/Secom UnB

Para Laís Cantuário, coordenadora-geral do Diretório Central dos Estudantes UnB Honestino Guimarães (DCE-UnB), o aumento das passagens e dos aluguéis comerciais, decorrentes da privatização, impactam diretamente na vida dos estudantes. “É muito um resultado do que o governo Ibaneis quer, que é a gentrificação. É afastar as pessoas pobres, afastar as pessoas do Entorno, afastar as pessoas da periferia do centro de Brasília”, lamentou.

A estudante acredita que a concessão não vai trazer melhorias para a mobilidade urbana, como prometido. “A iniciativa privada não está preocupada com um transporte muito lotado, um transporte muito caro. A iniciativa privada está preocupada em gerar mais lucro para eles mesmos”, afirmou.

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Edição: Márcia Silva