Distrito Federal

Direito de Existir

Cidadania Não-Binária: DP realiza mutirão de requalificação civil de nome e gênero no DF

Atualmente, a retificação pode ser feita em cartório, sem necessidade de ação judicial

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
O projeto teve sua primeira etapa concluída no dia 16/12, com a entrega dos documentos de 24 pessoas não-binárias - Reprodução Instagram MPDFT

É por meio do Registro Civil que uma pessoa é reconhecida como cidadã e pode exercer seus direitos, como frequentar a escola ou creche, ser atendida em postos de saúde, requerer documentos e autorizações. Dentre as várias informações contidas no Registro, há duas de especial importância: o nome e o gênero. 

O nome é a forma com a qual a pessoa se identifica e é identificada pelos outros. É um direito fundamental, inscrito, inclusive, no artigo 16º da Constituição Federal. Já a identificação do gênero no Registro Civil tem sua importância atrelada à necessidade de se conhecer esta característica da população para que políticas públicas mais adequadas à realidade sejam implementadas. 

Dentre outros fatores, é a busca por essa inclusão no desenho das políticas públicas que motiva as pessoas trans e não-binárias a lutarem pelo reconhecimento e retificação civil dos nomes e gêneros com os quais se identificam. No caso das pessoas não-binárias,sua identidade de gênero não pode ser definida dentro das margens do binarismo (que se limita ao masculino e feminino). 

Requalificação civil de nome e de gênero

Até pouco tempo atrás, para solicitar a requalificação de nome e de gênero, a pessoa precisava entrar com uma ação judicial para requerer a mudança. Um processo prolongado e burocrático, que dependia de uma decisão favorável do juiz. Porém, com o Provimento Nº 73 de 28/06/2018, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), passa a ser possível fazer a requalificação diretamente em cartório, sem necessidade de processo judicial.

O Provimento significou uma vitória para a população trans, nominalmente citada no texto do documento que dispõe sobre a  “averbação da alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais”. As pessoas não-binárias, entretanto, continuaram a sofrer resistência no processo de requalificação, como conta Ariel Benjamin, primeira pessoa não-binária do DF que conseguiu a retificação. 

“No final do ano de 2020, tentei a retificação não-binária direto no cartório, como ocorreu em Chapecó (SC), mas foi negada. Em 2021 demos entrada no pedido judicial, como era feito antigamente, antes do provimento do CNJ. Anexamos laudos, compilamos precedentes.  Depois de muitas idas e vindas, finalmente um juiz julgou a causa procedente. Houve empurra-empurra, o Ministério Público se manifestou contra… Até que em julho finalmente saiu a decisão favorável”, explica. 

Enquanto o processo de Ariel Benjamin tramitava na justiça, Defensorias Públicas de diversos estados brasileiros começaram a se movimentar, impulsionadas pela pressão de movimentos sociais e do número crescente de ações judiciais de pessoas não-binárias solicitando a requalificação, no sentido de facilitar esse processo.

“Nos últimos 3 anos, houve uma série de ações judiciais individuais das pessoas não-binárias que queriam que no seu sexo constasse a identidade não binária. Porém,o Ministério Público rejeitou essas ações diversas vezes afirmando o gênero binário, feminino e masculino. Teve muita resistência. Só que nesses últimos 2 anos, as Defensorias Públicas começaram, por meio da pressão dos movimentos sociais trans e da comunidade não binária, a se organizar junto com o movimento social para que essas pessoas conseguissem esse direito, porque é um direito nosso. Todas as pessoas cis têm direito a serem reconhecidas e terem acesso a políticas públicas através de como se identificam. Por exemplo, no caso de mulheres cis, tem uma série de políticas públicas que são direcionadas para mulheres cis a partir do momento que elas se identificam como tal. Então, isso nos é negado”, explica Kaleb Giulia, coordenador de políticas públicas para população não-binárie do Instituto Nacional Brasileiro de Transmasculinidades (IBRAT). 

A partir dessa movimentações, as Defensorias Públicas de alguns estados, como Rio de Janeiro e Ceará, começaram a organizar ações e mutirões de requalificação de nome e gênero para pessoas não-binárias. 

Projeto Cidadania Não-Binária

O Distrito Federal foi o terceiro ente federativo em que a Defensoria Pública organizou um mutirão de requalificação. A iniciativa fez parte do projeto "Cidadania Não-Binária”, uma parceria entre o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e a Defensoria Pública do DF, que garantiu a retificação dos registros civis a todas as pessoas transgênero, não o limitando às pessoas transexuais.

O projeto teve sua primeira etapa concluída no dia 16 de dezembro, na Escola da Defensoria Pública, com a entrega dos documentos de 24 pessoas não-binárias que tiveram o direito de requalificação de nome e gênero no Registro Civil atendido. 

"O MPDFT tem como função institucional a defesa dos direitos e garantias fundamentais e, portanto, vislumbra-se na requalificação civil de nome e gênero das pessoas não-binárias a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, consubstancia-se o fortalecimento da identidade de gênero e a prevalência dos direitos humanos que devem ser assegurados integralmente a todas as pessoas em uma sociedade efetivamente democrática", afirmou a promotora de justiça Adalgiza Maria Aguiar Hortencio de Medeiros, que representou o Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (NED/MPDFT) na cerimônia. 

Segundo Kaleb Giulia, as ações que facilitam a requalificação do Registro Civil das pessoas não-binárias representam uma enorme conquista para essa população.

“Porque isso significa que a partir de agora a nossa comunidade existe. Um dos primeiros e mais essenciais direitos das pessoas é ter direito ao nome, ao reconhecimento. Porque para as pessoas existirem, elas precisam ter direito a nome, precisam ser nomeadas. Precisam que, por exemplo, o Estado reconheça aquela necessidade, porque a partir daí a gente pode fazer uma série de políticas públicas, mapear, fazer pesquisas e desdobrar uma série de problemas do por quê essa comunidade é tão invisibilizada e precarizada”, explica.

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Edição: Flávia Quirino