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Hip Hop pode se tornar Patrimônio Cultural do Brasil; projeto tramita na Câmara

Movimento completou 49 anos em novembro e artistas e pessoas atuantes na cultura avaliam momento político

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Grafite é um dos elementos da cultura Hip Hop - Foto: Daniel Marques/Secretaria de Cultura e Economia Criativa.

A depender do Projeto de Lei nº 3.503, de 2021, de autoria do deputado José Ricardo (PT/AM), o Hip Hop e todas as suas manifestações artísticas podem ser declarados como Patrimônio Cultural Imaterial. O PL foi aprovado no dia 7 de dezembro na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados e segue para análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

Além dos cinco elementos (break, grafite, MC, DJ e o conhecimento), o Projeto de Lei considera também como Patrimônio Cultural as B.Girls e B. Boys, os Rappers, as Batalhas de MCs, o Slam, e também o Beatbox.

Com 49 anos completos em 2022, a cultura Hip Hop no Brasil, nos últimos anos, viveu mudanças significativas que também se relacionam aos acontecimentos sociais do país. Uma dessas mudanças é o reconhecimento como Patrimônio Cultural Imaterial brasileiro.

Segundo Max Maciel, deputado eleito no Distrito Federal nas eleições de 2022, simpatizante histórico do movimento hip hop e produtor cultural, nos últimos seis anos, período que compreende o golpe contra Dilma Rousseff até o governo de Jair Messias Bolsonaro, o Hip Hop perdeu espaço de interlocução política enquanto atores políticos.

“O Hip Hop sempre vai ser anti-sistêmico. É nossa característica ser crítico aos governos, mas durante o período de 2003 até 2014, tivemos a oportunidade de compor a construção de políticas públicas a partir da leitura do Hip Hop. Nos organizamos como pontos de cultura com equipamentos de instrumentalização e numa construção coletiva, sobretudo tendo Preto Ghoez, como uma referência histórica nesse debate, que também tinha nomes aqui no Distrito Federal, como o GOG e Vera Verônica, que faziam esse papel formulador da cultura”. 

Uma das primeiras ações do governo do atual presidente Jair Messias Bolsonaro foi a extinção do Ministério da Cultura.

Segundo Célio Turino, que comandou a Secretaria da Cidadania Cultural entre 2004 a 2010 e idealizou os programas Cultura Viva e Pontos de Cultura, os impactos da extinção do Ministério e do desmonte do Setor compreende o fechamento de vários instrumentos educacionais e culturais importantes.

Um dos que mais impactou no Hip Hop foi o encerramento de no mínimo 3.500 pontos de cultura distribuídos pelo país, espaços foram importantes instrumentos para a produção e escoamento da cultura Hip Hop. 

A rapper e assistente social Tatiana Nunes, vocalista do grupo Beladona explica que a crise no setor cultural fragilizou a criação de vários projetos e a incerteza da volta aos palcos, até porque foi seguida por uma pandemia. “Fora a questão musical, existiu toda uma questão familiar, econômica e emocional. Acredito que todos tiveram o psicológico abalado, porém nós artistas, sem renda  e ainda com tudo que estava ocorrendo na pandemia, ficamos desesperados”.


Tatiana Nunes, vocalista do grupo Beladona / Foto: Ian Lucas

Com o indicado retorno do Ministério da Cultura na próxima gestão governamental, Layla Moreno, rapper, empresária e profissional da saúde, exprime esperança. Ela acredita até em um acolhimento emocional. "Pensando em um novo amanhã, acredito que voltamos a sonhar. Acredito que teremos incentivo não só financeiramente, mas um suporte emocional porque existem pessoas neste governo que vão defender o que a gente acredita, visto que o Ministério da Cultura estará de volta".

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A fúria negra ressuscita outra vez

Mesmo com o desmanche e falta de investimentos na cultura durante o governo Bolsonarista, o Hip Hop não parou. 

Segundo o historiador e atuante na cultura Hip Hop há 31 anos, Denizar Marques, o movimento é dinâmico e atua conforme o tempo presente. “O Hip Hop dos anos 80 e 90 era mais combativo porque tínhamos uma realidade que exigia este comportamento. Quando veio o tempo da prosperidade, as pessoas passaram a pensar de outra forma e a querer coisas que passaram a ser possíveis. A política como é feita no Brasil com altos e baixos faz com que os movimentos organizados em prol de um objetivo comum, de tempos em tempos, sejam mais contestadores. Com estes seis anos não foi diferente. Tivemos essa volta do rap que protesta porque é a fala do movimento. Precisa ser combativo e os artistas são cobrados por fãs e pela realidade que está acontecendo. Eles também não se esquecem de suas origens.  Por incrível que pareça, esse governo, nesse sentido, fez um bem para o hip hop de trazer à tona a combatividade novamente”.

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Para Max Maciel, no período em que houve maior investimento em políticas sociais, o rap parou de falar da fome e do abandono, mas continuou a falar, por exemplo, da violência policial, uma pauta que não avançou em nenhum dos períodos.

“De 2016 para cá, começamos a perceber que os territórios voltaram à realidade do descaso. O efeito da ausência de investimento no desenvolvimento da população e manutenção de vidas interferiu em toda lógica. Quem percorreu um caminho ladrilhado pela geração antiga começa a enxergar agora que o hip hop militante é necessário no debate da consciência crítica do território. Não menosprezo o hip hop que quer dialogar sobre festa, progresso e coisas boas porque esse é o espelho que a molecada quer também, mas há importância em dizer isso fazendo a conexão real de que essa conquista não é milagre. Tem que ter política pública. Não é apostar na meritocracia. É apostar na oportunidade”. 

Para Kelly Amorim, integrante do Comitê do Grafite do Distrito Federal, uma das grandes lutas nesses últimos anos é exatamente no sentido de voltar às raízes do hip hop e ir além. “É contar a nossa história, fortalecer uma cultura que veio da periferia pela periferia. Estimular e defender pessoas que estão à margem e oferecer um caminho e direção nos momentos difíceis. A cultura Hip Hop tem força e potência para resgatar vidas”, diz.


Para Afroragga Flowman momento político mudou a forma de atuação da cultura Hip Hop / Foto: Pedro Peton

O momento político, segundo o rapper, produtor musical e fundador da escola do Flow, Afroragga Flowman, fez com que muitos artistas e ativistas repensassem a forma de atuar dentro do movimento. “Vejo artistas refletindo e entendendo o perigo do Bolsonarismo, sendo provocados a se manifestarem, mais incisivos em suas declarações e convocando para que não nos esqueçamos do discurso de base da cultura”.

Os conflitos ocorridos na sociedade também são inerentes ao Hip Hop e viram pauta dentro da cultura, como machismo e lgbtfobia. “Temos debatido sobre algumas questões dentro do movimento, por exemplo, o machismo, que antes não se falava tanto”, aponta Ravena Carmo, poeta, professora e integrante da Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop. 

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O que o Hip Hop tem a comemorar nesse ano?

Perguntados sobre os integrantes e amantes da cultura Hip Hop tem a comemorar no ano de 2022, todos foram categóricos em dizer que é o fato de o Hip Hop continuar vivo.

Max aponta que é importante também festejar que o breakdance será incorporado aos jogos de Paris como modalidade olímpica. Com o objetivo de trazer a audiência dos jovens para a competição, o Comitê Olímpico Internacional (COI)  incorporou o elemento do Hip Hop às competições e em breve lançará as regras.

Afroragga Flowman destaca o poder do Hip Hop como ponto importante a celebrar. "Temos que comemorar o quão poderoso pode ser um movimento que nasceu em bairros de trabalhadores, imigrantes, negros e pobres e se tornou uma linguagem mundial, mas precisamos nos atentar porque nossa base está sendo esvaziada".

Já o rapper Amaro ressalta que foi uma vitória sobreviver a este período. "Sabemos que foi um tempo muito difícil e conseguimos sobreviver ao desmonte e ao silenciamento da nossa classe, mas é preciso entender que nessas mutações e movimentos precisamos ser mais acolhedores abraçando outras existências e pautas como o hip hop sempre fez com a população marginalizada".

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Edição: Flávia Quirino