Distrito Federal

Compromisso social

Hip Hop: artistas desenvolvem ações de solidariedade nas periferias do DF

"A política de saúde do país, principalmente no DF, no combate ao vírus Covid 19 é um fracasso", diz rapper

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Para Japão do grupo Viela 17, todo esse compromisso social é motivado pelo Hip Hop - Foto: Nathália Millen

Impedir ou amenizar calamidades é urgente a todo o tempo, principalmente no momento pandêmico que o mundo enfrenta. Com rimas, danças, batidas e grafites, a cultura Hip Hop oferece leitura crítica sobre a sociedade com o objetivo de evitar o desastre social.

Estes artistas sempre trouxeram à tona as disparidades sociais e raciais que agora estão potencializadas com a crise sanitária. E neste período, têm sido promotores de comunicação colaborativa e preventiva bem como responsáveis por ações céleres contra os obstáculos de acesso à alimentação, higiene e direitos básicos. 

Marcos Vinicios de Morais, o Japão do grupo Viela 17, é um destes propulsores contra os efeitos da pandemia no Distrito Federal. Cria da Ceilândia, desde 1990 sua mãe, Dona Ercília, e ele buscam ajudar famílias em vulnerabilidade social com a entrega de cestas básicas. No ano de 1994, decidiram fazer anualmente uma Campanha de Natal até que a pandemia tornou essa necessidade maior. 

Segundo ele, a política de saúde do país, principalmente no DF,  no combate ao vírus Covid 19 é um fracasso.

"As pessoas que necessitavam trabalhar se arriscaram e muitas ficaram pelo caminho. O Governo do Distrito Federal oscilou entre cuidar da população e agradar aos desmandos do Governo Federal. Entre mortos e feridos, a fome e o desemprego venceu", diz.

Quem tem fome tem pressa

Inicialmente a ação acolhia 14 famílias, devido ao impacto da Pandemia, aumentou rapidamente para 810. Após a vacinação e abertura total do comércio reduziu para 642 e gradativamente vem diminuindo, atualmente são 405 famílias assistidas. Porém, não somente com cestas básicas.

Japão conta que faz arrecadação para pagar aluguéis, sepultamentos, medicações de alto custo, construção de casas e mobílias para abrigar famílias inclusive estrangeiras, compra de insumos de saúde como sondas gástricas para vítimas do vírus, camas hospitalares, cadeiras de roda e para banho, muletas, roupas e cobertores para a população de rua e brinquedos e doces nas datas comemorativas para as crianças.

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Compromisso

Segundo Japão, todo esse compromisso social é motivado pelo Hip Hop, pois vê o movimento como uma linha transformadora para a revolução dos povos periféricos. E sugere que quem faz parte da cultura e conhece as premissas tem a obrigação de cuidar dos familiares, mas também da comunidade.

Willians Mathias Júnior, o rapper e produtor musical Afroragga Flowman, corrobora com o mesmo pensamento e realiza comunicação preventiva em suas redes sociais.


Durante a pandemia, Afroragga começou a utilizar os espaços de diálogo que possui para também comentar sobre a crise sanitária, as disparidades sociais e raciais / Foto: Beatriz Andrade

Com o início da Pandemia, Afroragga, morador de Águas Claras, começou a utilizar os espaços de diálogo que possui para também comentar sobre a crise sanitária, as disparidades sociais e raciais, e ainda, sobre as consequências do isolamento para os profissionais culturais.

Infecção por Covid 19

No fim do ano passado, o rapper contraiu o vírus. "Foi a situação mais grave que eu vivi em minha vida. Foi muito difícil. Começou com a sensação de uma gripe comum e foi evoluindo. O que sentia era uma fadiga que foi amplificando. Como não passavam esses sintomas, procurei o hospital. Não fui diagnosticado como um quadro grave, mas foi constatada a infecção. Porém, enquanto dormia, parecia me afogar. Então retornei ao hospital e internei de vez”, relata Afroragga.  

Afroragga passou pelos procedimentos de intubação e traqueostomia. Após a alta da internação, necessitou ainda de fisioterapia, entre outros cuidados médicos e ainda necessita de medicação. 

Para conseguir arcar com os custos de toda a recuperação, amigos e familiares, muitos pertencentes ao movimento Hip Hop, iniciaram uma vaquinha virtual.

"Aconteceu uma movimentação de afeto muito grande. Mesmo com as adversidades do momento em que o dinheiro está escasso, pois estamos passando por um problema grave de economia no Brasil, fui muito abraçado e considerado por muita gente do Hip Hop. Principalmente nos primeiros três meses de recuperação. Se não fosse essa ajuda, eu teria tido problemas mais graves financeiros e até de saúde por não conseguir comprar algumas coisas", conta Afroragga.

Solidariedade

A Rede Urbana de Ações Socioculturais, organização que foi formada a partir das premissas do Hip Hop, também promoveu movimento solidário para artistas periféricos que em sua maioria são pertencentes ao segmento em Ceilândia.

Rayane Soares, uma das coordenadoras de ações da Rede destaca "criamos um fundo de apoio às periferias, onde entregamos cestas básicas para artistas locais e produtores. O setor da cultura foi o último a voltar a funcionar, então buscamos apoiá-los em insumos de necessidades básicas".


Durante a pandemia, fundo de apoio distribuiu cestas básicas para artistas / Foto: Jovem de Expressão

Mulheres 

Tanto Rayane, como Afroragga e Japão ressaltaram que com essas ações observaram que as mulheres são arrimo de família em áreas periféricas.

De acordo com Japão, 99% das famílias que assiste são lideradas por mulheres. Afroragga, em um de seus posts nas redes sociais, alertou aos homens que fossem mais presentes no cuidado com os filhos, uma vez que a pandemia sobrecarrega principalmente as mães. Rayane afirmou que em muitas casas que visitou reparou que toda a família dependia do trabalho de apenas uma mulher. 

Em um trecho do rap “Dias Melhores”, escrito por Afroragga, logo após  ter superado a doença ele afirma que não há tempestade que dure eternamente. O Hip Hop demonstra isso ao oferecer cultura,  realizar comunicação colaborativa e preventiva com compromisso social por meio da arte, pois une batida envolvente, movimentos de dança elaborados, letras variadas que vão do lazer a denúncias e grafites que colorem a cidade. A arte cura.

*Cláudia Maciel é jornalista, mãe, mora em Samambaia e escreve, mensalmente, para o Brasil de Fato DF sobre Hip Hop.

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Edição: Flávia Quirino