Apesar da promessa de ampliação e modernização, a realidade do metrô em Brasília é de sucateamento e ameaça de privatização. É o que apontaram metroviários e especialistas em reunião técnica da Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana (CTMU) realizada na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) nesta quarta-feira (30).
Infraestrutura precária, problemas de operação, trens parados, falta de pessoal e condições ruins de trabalho foram alguns dos aspectos apontados pelo presidente da Comissão, o deputado distrital Max Maciel (Psol-DF), que realizou uma série de visitas técnicas ao metrô nas últimas semanas.
O parlamentar criticou as iniciativas que propõe a concessão do sistema metroviário à iniciativa privada. “O metrô foi um vetor de desenvolvimento do Distrito Federal”, afirmou. Segundo ele, privatizar o sistema seria entregar esse potencial de crescimento na mão de uma empresa.
“Os metrôs que foram privatizados em outros estados não cumprem o combinado, não fazem as benfeitorias. Sucateiam para lucrar até o fim. E se perder pessoal, eles estão garantidos, porque o Estado vai socorrê-los”, avaliou Maciel, citando o exemplo do metrô do Rio de Janeiro, que foi concedido à empresa SuperVia e agora, após uma série de problemas, caminha para ser devolvido ao estado, apesar de ter contrato de concessão até 2048.
A diretoria da Companhia do Metropolitano do Distrito Federal (Metrô DF) também participou do encontro e anunciou um investimento de R$ 900 milhões para a compra de 15 novos trens, além de um “pacote de modernização”.
A promessa, no entanto, foi vista com ceticismo por Tânia, funcionária do Metrô-DF desde 1998. “O que a gente mais escuta aqui nessas mesas são explicações e planejamentos. E pra gente que está lá na ponta, nunca chega a ação. Nós estamos ouvindo há mais de cinco anos uma história de modernização da comunicação e da sinalização do metrô”, relatou durante a reunião.
Expansão e modernização
Por parte dos representantes do Metrô DF que participaram da reunião técnica, as promessas foram de expansão da frota e dos trilhos e de modernização física e operacional.
O presidente do Metrô-DF, Handerson Cabral Ribeiro, afirmou que o projeto de compra de 15 trens já foi submetido e habilitado no Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo federal e agora aguarda contemplação para receber recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A estimativa de custo é de R$ 60 milhões por carro, totalizando um valor de R$ 900 milhões.
Em relação à expansão do metrô em Samambaia, Ribeiro informou que os recursos já estão garantidos, com R$400 milhões provenientes de financiamento do BNDES e R$ 40 milhões de contrapartida do Tesouro do DF. A previsão é de que as obras comecem a ser executadas em janeiro.
Em Ceilândia, a expansão anda a passos mais lentos. Segundo o presidente do Metrô DF, a licitação está em processo de ajustes com o Tribunal de Contas do DF (TCDF), que apontou algumas necessidades de correção no documento publicado pela Companhia. O início das obras está previsto para janeiro de 2026.
Atualmente, o metrô transporta cerca de 170 mil pessoas diariamente no DF. Com a expansão, a expectativa da Companhia é de que essa capacidade suba para 400 mil usuários.
Sucateamento e privatização
Os usuários do metrô em Brasília viveram momentos de terror durante dois episódios de incêndio em vagões este ano. Além desses casos extremos, há queixas diárias em relação à infraestrutura e à operação do sistema.
De acordo com Max Maciel, dos 32 trens do metrô, apenas 20 estão rodando. Dos 12 parados, sete não apresentam condições de voltar a rodar. “O problema do sistema de transporte sobre trilhos no DF é que ele não é encarado como um programa de Estado. Entra governo e sai governo e ninguém encara isso como prioridade”, afirmou.
Os problemas enfrentados pelo metrô, assim como acontece em outros equipamentos e serviços públicos, são utilizados como argumento para defender a privatização. Alda Lúcia, da Federação Nacional dos Metroviários (Fenametro) discorda: “O Estado precisa ser responsável pelo transporte público”.
“A lógica não é privatizar. Privatizar é só para quem quer ter lucro, e o transporte não foi feito para isso. O transporte foi feito para que todos nós pudéssemos usar e ocupar a cidade. Não só para trabalhar, mas com a família, por lazer”, defendeu na CTMU.
Os metroviários presentes na reunião apontaram que sofrem com sobrecarga de trabalho decorrente da defasagem de pessoal. O último concurso para o metrô de Brasília aconteceu em 2013. Segundo dados apresentados por Maciel, há atualmente uma carência de 680 funcionários.
“O último [concurso] que a gente conseguiu foi 2013 e não chamaram todos os aprovados. Mas mesmo sem ter contratado todos os empregados, foram abertas mais estações”, apontou Carlos Alberto Cassiano, secretário do Sindicato Dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Metroviários do DF (SindMetrô/DF).
O presidente do Metrô-DF afirmou que há autorização para realizar um concurso com 200 vagas. “Mas precisamos de autorização legislativa para suprir todas as vagas que nós precisamos. Com essas expansões e o dobro de passageiros, nós não podemos negar de que há necessidade de ter um concurso que reforce a nossa força de trabalho”, destacou.
‘DF poderia ser referência em sistema de transporte’
Os participantes da reunião técnica do CTMU tiveram uma amostra do que poderia ser o transporte público no DF caso houvesse mais investimento em infraestrutura e comprometimento com políticas de mobilidade urbana.
Victor Queiroz, graduado em Gestão Pública pelo Instituto Federal de Brasília (IFB) e pós-graduando em Mobilidade Urbana Sustentável, apresentou, durante o encontro, um mapa que mostra as possibilidades de expansão da malha, principalmente ferroviária, conectando todas as regiões administrativas (RAs) do DF.
Em entrevista ao Brasil de Fato DF, Queiroz enfatizou que o mapa é um trabalho de design, que precisaria de uma análise técnica realizada por engenheiros para se tornar um projeto viável.
O mapa representa uma ampliação do atual sistema de metrô, com expansão de ramais já existentes, como o de Ceilândia e Samambaia, e a criação de outros ramais em diferentes RAs, como Planaltina, Sobradinho, Recanto das Emas, Gama e Santa Maria. A imagem também inclui a integração de outras modalidades de transporte, como VLTs (veículos leves sobre trilhos) e BRTs.
“Um sistema integrado de transporte poderia possibilitar o desenvolvimento econômico e cultural do DF, pois a população teria acesso a cidade, podendo se deslocar pelas diferentes RAs”, avaliou o pós-graduando.
Os trens metropolitanos também aparecem no projeto, com uma linha que parte de Luziânia, passa pelos municípios do Entorno Sul, faz diversas integrações com metrôs e VLTs dentro do DF e segue até Águas Lindas de Goiás. Uma outra linha parte de Formosa, passa por Planaltina de Goiás, também realiza diversas integrações dentro do DF e segue até Santo Antônio do Descoberto, beneficiando inclusive a RA de Água Quente.
Questionado pela reportagem em relação à viabilidade do projeto, Queiroz acredita que seja concretizável sim, a longo prazo, caso seja tratado “como um plano de governo”.
“O metrô DF, desde sua concepção, avançou muito pouco. Se houvesse interesse político em realmente ampliar o metrô, hoje o DF poderia ser referência em sistema de transporte no Brasil. Mas infelizmente não houve esse interesse”, lamentou.
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Edição: Márcia Silva