Coletivo Família Hip Hop recebeu CIA Burlesca com espetáculo sobre Educação Libertadora
No último final de semana de setembro, o Coletivo Família Hip Hop recebeu em seu espaço cultural a CIA Burlesca num espetáculo que retrata a importância da Educação Libertadora para garantir a dignidade humana e nossa capacidade de sonhar, transformar e ser. Trata-se de uma adaptação do romance “A Revolução de Anita”, de Shirley Langer, ambientado e inspirado na Campanha de Erradicação do Analfabetismo, em Cuba, que em 1961 elevou para quase 100% a taxa de alfabetização do país. A peça recebeu o auspicioso nome de “A Aurora”, indicando a esperança e o anúncio de novos tempos em que sejamos capazes de realizar um mundo verdadeiramente para todos.
:: A Aurora: peça fala sobre educação como prática transformadora ::
O encontro com esse grupo parceiro de sonhos e projetos, mediado por esta apresentação teatral, trouxe reflexões importantes sobre nosso devir revolucionário. Ao comentar seu, então, novo álbum "Alucinação", de 1976, Belchior dizia ter havido um dilaceramento dos sonhos e utopias de uma geração inteira de jovens e que as suas músicas reconheciam que “o sonho acabou”, mas, ao mesmo tempo, convidavam: “temos que inventar um novo sonho”.
Ao iniciar a apresentação da peça, a atriz camarada pergunta ao público: "qual a sua profissão dos sonhos?", numa readaptação inesperada do velho: "o que você vai ser quando crescer?". E que surpresa é ouvir crianças, adultos e velhos expressando inusitadas possibilidades. Mas como inventar sonhos? E mais importante, como convergi-los em algo para além do individual, que transcenda o "eu" e abarque a coletividade?
Fidel Castro foi engenhoso em sua proposta de alfabetização. Caminhou em mão dupla: levou letras a quem só tinha prática, levou experiência de vida a quem tinha privilégio. Nessa convergência, ensinou a importância da ação conjunta, da união do povo, do sonho que se sonha junto. A revolução se fazia no cotidiano da ação política, na afetação.
Assim como Paulo Freire dizia, o amor é a base da educação. E pela educação nos afetamos: aprendo enquanto ensino, ensino enquanto aprendo. Não se trata somente de permitir escolhas individuais, mas de construir a consciência de que tal escolha afetará o mundo, afetará o outro. É de permitir que para além de números e estatísticas um povo alcance resultados coletivos e forme um batalhão capaz de enxergar conquistas maiores que o consumo.
Pepe Mujica discursou há alguns dias na Praça 1º de Maio, no comício de Yamandú Orsineste. O tema era educação e juventude. É preciso pensar na formação dos jovens para que a cada geração se possa reinventar os sonhos. E disse Mujica: “Quando meus braços se forem, haverá milhões de outros braços na luta”. Isso não é resultado, obviamente, de uma educação mercantil, que confunde liberdade de escolha por meio de “itinerários formativos” com estreitamento de possibilidades – se formar para o mercado.
E assim segue o novo ensino médio, com vários problemas, substituindo educadores por coachings, e aprofundando a distância entre o que se ensina e a realidade dos jovens e do contexto político mundial.
Analfabetismo político
O encontro com a Cia Burlesca no Espaço Moinho de Vento e todo debate suscitado a partir da apresentação da peça teatral, da leitura do livro e da pesquisa sobre a Campanha de Erradicação do Analfabetismo em Cuba nos jogou no centro de uma reflexão acerca do avanço da reforma do ensino médio brasileiro, da precarização crescente da educação e da forte despolitização de tudo.
Hoje enfrentamos o analfabetismo político e as consequências são desastrosas em todas as áreas, começando pela política em si, basta acompanhar os debates públicos que vem acontecendo. Resgatar nossa capacidade de sonhar um sonho que não se sonhe só urge por ação político-pedagógica, afetiva e cultural.
Recriar a grande Campanha de Erradicação do Analfabetismo, com foco na politização da educação, é algo utópico e grande demais para um grupo tão pequeno quanto o nosso. Mas esperar que algo dessa natureza venha a partir de cima é paralisia. E assim chegamos ao cerne da questão que é a grande lição deixada pela experiência cubana e pela liderança de Fidel Castro, a epifania do encontro ante “A Aurora”: a união dos movimentos populares espalhados nas comunidades, cidades, periferias.
Este não é um texto que pretende apresentar uma resposta aos problemas do Novo Ensino Médio. Como resolver a despolitização da escola tornada mercadológica e individualista? Qual o papel dos movimentos estudantis e de educadores para refrear essa guinada neoliberal na política de educação? O que os movimentos populares podem fazer? Na verdade, é um texto que pretende ampliar a chama acendida no dia do encontro com nossos parceiros de sonho. A mudança é possível, ensinava Fidel Castro, mas precisamos fazê-la acontecer.
Os grupos culturais e populares precisam reatar vínculos com suas comunidades e abraçar sua história e seu chão. Nossa experiência com a Escola de Formação do Hip Hop é de que ainda que demasiadamente dificultado e debilitado por processos históricos individualizantes e não propícios ao senso crítico, o espírito rebelde da juventude está ali e precisamos aprender a tocá-lo, a como despertá-lo.
Para inventar o sonho das novas gerações, os sonhos anteriores não podem ser esquecidos. E a comunidade, amorosamente, será agente educadora a partir de suas experiências e na união de gerações, de iniciativas, de frentes, de grupos, numa grande rede voltada ao sonho maior: um mundo melhor.
A palavra vínculo é chave. Assim venceu a Campanha cubana. Assim venceremos em nossas periferias. E sempre que a chama da esperança ameaçar se apagar, precisamos reativar o vínculo também com nossos parceiros e camaradas de luta. O trabalho de base se faz em rede para que um dia, que talvez não vejamos, consigamos multiplicar a rebeldia sufocada e necessária às transformações sociais.
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*Alex Martins Silva e Paula Juliana Foltran são membros do Coletivo Família Hip Hop.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha do editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Rafaela Ferreira