Discrepância compromete a qualidade de vida e intensifica os efeitos das mudanças climáticas
O racismo ambiental definido como a discriminação racial através da exposição desigual a riscos ambientais e à falta de acesso a recursos naturais e a infraestrutura, é uma questão urgente no Distrito Federal. Esse fenômeno afeta principalmente as populações negras e periféricas, que enfrentam maiores desafios no acesso a serviços básicos e infraestrutura urbana.
Áreas como Fercal e Estrutural, por exemplo, lidam com esgoto a céu aberto e falta de saneamento em uma realidade completamente oposta à vivida por bairros mais ricos como o Lago Sul e Sudoeste, que possuem infraestrutura e ampla arborização. Esse desequilíbrio reflete o racismo que está enraizado no planejamento urbano de Brasília desde a sua concepção.
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A análise apontada pela pesquisa de Raquel Freire e Guilherme Lemos, evidencia o racismo ambiental a partir de uma análise populacional com critério de raça, demonstrando como o planejamento urbano da cidade reforçou a exclusão das populações negras e periféricas no DF, que define não apenas onde as pessoas negras vivem ou devem viver, mas também a qualidade do ambiente em que estão inseridas.
Além disso, a pesquisa sobre arborização no Distrito Federal, desenvolvida pelo Ranking de Cidades Verdes e pelo Índice de Desempenho Ambiental Urbano (IDAU-DF), reforça que há uma disparidade marcante na distribuição de espaços verdes.
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O Plano Piloto, o Sudoeste/Octogonal e o Lago Norte e Sul, que abrigam maior concentração de renda e menor proporção de população negra, desfrutam de melhores condições ambientais, arborização, mais áreas verdes, áreas de lazer e também apresentam os melhores índices de desenvolvimento ambiental; enquanto as áreas periféricas como Estrutural e Sol Nascente sofrem com a ausência dessas estruturas, que quando existem são precárias ou insuficientes.
Essa discrepância não só compromete a qualidade de vida nas regiões mais pobres e pretas, mas também intensifica os efeitos das mudanças climáticas, como o aumento das temperaturas urbanas e a poluição do ar. Assim, a desigualdade na distribuição dos espaços verdes destaca uma forma estrutural de discriminação ambiental que agrava a exclusão social e a vulnerabilidade da população pobre, preta e periférica do Distrito Federal e entorno.
Outro aspecto relevante do racismo ambiental no DF é onde acontece a grilagem de terras, que representa uma grave ameaça ao meio ambiente e a segurança pública, principalmente nas regiões periféricas, onde o crime organizado, incluindo milícias, frequentemente atua. A grilagem envolve a ocupação e desmatamento ilegal de áreas públicas, impactando negativamente a vegetação nativa e contribuindo para o desequilíbrio ecológico. Ocupações ilegais feitas por milicianos também perpetuam a exploração econômica das populações vulneráveis, agravando ainda mais a desigualdade racial e social.
A expectativa de vida varia entre as RAs. Regiões como Lago Sul, Park Way, Cruzeiro, Sudoeste/Octogonal e Lago Norte têm maior longevidade. Já Sol Nascente/Pôr do Sol, SIA/SCIA, São Sebastião e Riacho Fundo enfrentam desafios que reduzem essa expectativa. O gráfico a seguir mostra como a qualidade do ambiente urbano e a infraestrutura afetam a saúde e longevidade nas regiões do DF.
Além disso, as queimadas criminosas afetam mais severamente as populações periféricas, que não têm acesso a ar-condicionado ou umidificadores para aliviar a poluição. Sem recursos para frequentar espaços de lazer como piscinas ou áreas com água natural, essas comunidades enfrentam condições ainda mais adversas. Embora as consequências a longo prazo sejam difíceis de mensurar, sabe-se que o acesso a médicos e tratamentos será muito mais complicado para a população periférica e negra, que já enfrenta dificuldades para marcar consultas de rotina nos postos de saúde.
Para combater esse cenário, é essencial garantir saneamento básico, ampliar áreas verdes e incluir a comunidade no planejamento urbano.
No entanto, o sistema capitalista, com sua lógica de lucro, é incapaz de resolver essas contradições que perpetuam o racismo ambiental. Precisamos adotar ações concretas e profundas, ecoar as vozes das comunidades tradicionais e respeitar sua autonomia. Devemos continuar em luta pelo fim do capitalismo e por um mundo que nos queira vivos.
*Samuel Vitor Gonzaga é coordenador da Rede Emancipa e do Pelas Vidas Negras DF e estudante de direito na UnB.
**Revisão: Pablo Matheus da Silva Costa é estudante de direito na UnB e extensionista do Museu Quilombola Ivo Fonseca e Thaiane Miranda dos Santos é graduanda em História na UnB e militante independente.
***Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Márcia Silva