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Entenda o que é "operação vingança" que deixou rastro de 117 mortos no Rio de Janeiro

Em novo levantamento, Fogo Cruzado mostra que prática de justiçamento das polícias resultou em 18 chacinas

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Para pesquisadora, chacinas são uma das estratégias mais longevas da política de segurança do Rio de Janeiro - Reprodução

Um novo levantamento do Fogo Cruzado descortina os números por trás de uma prática de justiçamento dentro das polícias que resultou em operações com os maiores índices de letalidade do Rio de Janeiro. A maior chacina registrada na história do estado, em maio de 2021, no Jacarezinho, na zona norte, é um exemplo de “operação vingança” que terminou com 27 mortos.

O mapeamento “Estado Letal” aponta que as forças policiais são responsáveis por, em média, três chacinas por mês na região metropolitana do Rio. Do total, 18 aconteceram depois que um policial foi morto ou ferido, deixando 117 mortos. Uma das principais características desse tipo de ação é a letalidade, sendo 70% maior que uma chacina policial em que não houve agente baleado.

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A pesquisadora Maria Isabel Couto, Diretora de Dados e Transparência do Instituto Fogo Cruzado, explica que “operações vingança” acontecem como retaliação. “Essa forma de atuação das polícias traz ainda mais medo e traumas para a população, sobretudo a que mora nas regiões mais vulneráveis, que deveria ter no agente de segurança a imagem de protetor e não de algoz”, afirma.

O Instituto Fogo Cruzado considera chacina um caso em que três ou mais pessoas são mortas. Nos últimos sete anos, 283 operações policiais terminaram com 1.137 civis mortos. O levantamento tem um mapa interativo onde é possível consultar dados sobre cada chacina filtrando por localidade, bairro, município, região, número de mortos, unidades policiais envolvidas, entre outros.

“Dados como esses são importantes porque evidenciam que além de não resolverem o problema da segurança pública, que há anos é tratada com negacionismo, ainda trazem um rastro de mortes e traumas à população”, completa Maria Isabel.

Além de afirmar que o Estado atua de forma negacionista em relação aos dados da segurança pública, Maria Isabel Couto chama atenção para a necessidade de encontrar formas mais eficazes de controle da atividade policial com divulgação transparente dos resultados positivos e negativos. 

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“O Rio de Janeiro não tem um plano de segurança pública baseado em dados, em evidências, que priorize a preservação da vida da população. Em vez disso, o que se tem é uma polícia focada em confronto e mortes, muitas vezes tacitamente autorizada a promover o justiçamento, no lugar da justiça. Já está mais do que evidente que não estamos mais seguros dessa forma”, constata a pesquisadora.

Ineficiente e inconstitucional

Na contramão das boas práticas da segurança pública, o descontrole e a matança marcam as operações policiais na história do Rio de Janeiro.  

O Complexo do Salgueiro, conjunto de favelas em São Gonçalo, foi a localidade com mais chacinas registradas desde 2016. Apenas lá, 14 chacinas policiais resultaram em 66 mortes. Na zona norte da capital foram 73 casos que deixaram 373 pessoas mortas. Na Baixada Fluminense foram mapeados 72 casos, com 255 mortos.

“Este é o exemplo de uma das estratégias mais longevas que compõem a política de segurança do Rio, a despeito de todos os sinais claros da sua ineficiência e inconstitucionalidade. É inaceitável que a tática das corporações para o enfrentamento à violência seja trazer mais violência para a população. Com a recriação da Secretaria [de Estado de Segurança], esperamos que números assim não existam mais”, comenta Maria Isabel Couto.

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O anúncio da recriação da Secretaria de Estado de Segurança pelo governador Claudio Castro (PL), extinta em 2019, se deu na última segunda-feira (27), dia seguinte do assassinato da policial militar Vaneza Lobão, de 31 anos, na porta de casa em Santa Cruz, zona oeste da cidade. Lobão trabalhava em um setor que investigava milicianos e contraventores na 8ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM), subordinada à Corregedoria-Geral da Polícia Militar. A suspeita é de que o crime tenha sido encomendado pela milícia.

Na avaliação da pesquisadora e diretora do Fogo Cruzado, no entanto, apenas a recriação da Secretaria ou de um novo órgão não é suficiente para romper “com a barreira do sigilo que hoje impera” na segurança pública.

Edição: Jaqueline Deister