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Coluna

Serão necessários muitos avanços para a reparação histórica à população negra

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'Completam-se 135 anos de uma falsa abolição resumida em uma frase: "É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil", que vem sendo escrevivida e por 54% da população deste país'
'Completam-se 135 anos de uma falsa abolição resumida em uma frase: "É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil", que vem sendo escrevivida e por 54% da população deste país' - Agência Brasil | Valter Campanato
Os desafios são muitos diante do racismo à brasileira que se atualiza a cada vez

O Brasil celebra o 12º Dia Nacional da Consciência Negra em 2023. Essa data foi instituída oficialmente no país pela Lei 12.519, de 10 de novembro de 2011, e remete ao dia em que foi morto o líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, no ano de 1695. Também este ano completamos 20 anos da promulgação da Lei 10.639/03 que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira na educação pública e privada em todo país.

E, ainda, 11 anos da Lei 12.711/2012 ou Lei de Cotas, que instituiu o programa de reserva de vagas para estudantes egressos de escolas públicas, pretos, pardos, indígenas e/ou oriundos de famílias com renda inferior a um salário-mínimo e meio per capita, que em 2016 também passou a incluir estudantes com deficiência, e que foi atualizada a partir da Lei 14.723/23.

Indiscutivelmente, cada um destes marcos legais históricos foram frutos de décadas de luta e enfrentamentos dos movimentos negros que significaram conquistas para toda sociedade brasileira, uma vez que tratam da oportunidade de ter acesso ao conhecimento sobre nossa própria diversidade étnica, cultural e epistêmica de formação.

A história da escravização no Brasil e sua falsa abolição, atualizada pelo racismo estrutural, tem no impedimento à educação e à renda alguma de suas formas de manutenção.

Lutas por políticas que rompam essa estrutura através da garantia, do acesso e da permanência de pessoas negras, indígenas e periféricas à educação pública e de qualidade sempre figuraram como importantes reivindicações dos movimentos negros, indígenas e sociais. Ser a primeira mulher negra de todas as gerações da família a ingressar na graduação ainda não é a exceção para grande parte das brasileiras, mas a regra.

Não é raro escutarmos ativistas dos movimentos negros nomearem o Mês da Consciência Negra como Mês da Paciência Histórica, tendo em vista as ações aquém das necessárias quando consideramos as políticas de combate e enfrentamentos aos racismos e os crescentes episódios reconhecidamente racistas no Brasil.

Não nos faltam dados e cenas que demonstram o impacto negativo material, real e simbólico das violências dos racismos, desde a escancarada letalidade que segue matando um jovem negro a cada 23 minutos, o crescente número de feminicídios entre mulheres negras diante da queda dessas mortes entre mulheres brancas, somados aos midiáticos episódios de racismos televisionados cotidianamente, como chicoteamento à luz do dia, homem negro asfixiado em camburão de polícia, aluno entregando esponja de aço como presente para professora negra, ou parlamentar negra e liderança quilombola sendo exterminadas por incontáveis disparos de armas de fogo.

Os desafios são muitos diante do racismo à brasileira que se atualiza a cada vez, mas não sem importantes avanços advindos de luta e resistência nos movimentos negros desde sempre no Brasil.

Como nos ensina a ativista Benilda Brito, há 40 anos no Movimento de Mulheres Negras, enquanto algumas pessoas acreditam que o enfrentamento ao racismo é apenas “enxugar gelo”, é de extrema importância o modo com que cada uma dessas ações mantém nossas toalhas molhadas e pavimenta caminhos para que outras ações possam nascer e dar novas sementes.

Educação Antirracista

Geledès, Instituto da Mulher Negra, lançou em Brasília, no DF, este ano um estudo de fôlego sobre a Lei 10.639/03 analisando o quanto as Secretarias Municipais de Educação do país estão organizadas, ou não, para inserir efetivamente no currículo escolar conteúdos e abordagens sobre história e cultura africana e afro-brasileira comprometidos com uma educação antirracista.

Dos 21% dos municípios brasileiros que responderam à pesquisa, apenas 8% das secretarias municipais afirmam ter orçamento para ensino sobre relações étnico-raciais. Por outro lado, a maioria dos municípios pesquisados afirma que inseriu o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira na educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, modalidades em que ele é obrigatório.

Se por um lado a não implementação plena da política ainda é uma realidade, agravada sobremaneira por quatro anos de retrocessos ultraconservadores, desfinanciamento e pela pandemia de Covid-19, traduzida no aumento da evasão e abandono escolar por estudantes negras e negros, por outro, a pesquisa de Geledès enfatiza a importância de muitos municípios que, sobretudo a partir de profissionais ativistas comprometidas com a pauta racial, garantem avanços e impulsionam essa política por meio próprios, resistindo e não deixando arrefecer o ideal de país com justiça racial, social, respeito e equidade para todas as pessoas. Sim, tem muitas pessoas mantendo as toalhas molhadas!

Democratização do ensino superior

No dia 13 de novembro, o presidente Lula sancionou a nova Lei de Cotas, aprovada em outubro no Senado, e que é uma das importantes políticas de democratização do ensino superior no país, que correu sério risco de retrocesso caso tivesse sido revisada em 2022.

Mais uma vez, a mobilização dos movimentos negros, de educação e sociais foram fundamentais para impedir mais esse retrocesso.

Importantes avanços foram garantidos com a nova Lei, tais como:

(i) inclusão de quilombolas como beneficiários;

(ii) nova metodologia com disputa de vagas pela ampla concorrência, e somente pelas cotas àqueles que não tiverem pontuação suficiente;

(iii) cotistas com prioridade no acesso à bolsa estudantil; (iv) novas formas de calcular e atualizar as proporções de cotistas nas universidades;

(v) inclusão dos Ministérios da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e da Cidadania e dos Povos Indígenas, além da Educação, como responsáveis pelo acompanhamento da Política de Cotas, entre outras.

Neste 20 de novembro de 2023, completam-se 135 anos de uma falsa abolição resumida em uma frase: "É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil", que vem sendo escrevivida e por 54% da população deste país.

Serão necessários muitos avanços ainda para que se aproxime da reparação histórica necessária à população de foi traficada, escravizada e submetida a toda sorte de violências durante mais de 500 anos e ainda hoje.

Não é sem luta, enfrentamento e resistência, mas é também mantendo as toalhas molhadas com celebração, arte e poesia que a população negra segue, com cada vez mais aliades e garantindo sementes presentes.

Marielle presente!

Mãe Bernadete semente!

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*Cristiane Ribeiro é do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e ativista do Nzinga - Coletivo de Mulheres Negras.

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Márcia Silva