Distrito Federal

racismo e LGBTfobia

"Deboche" e racismo "sutil": TJDFT aceita recurso de Nelson Piquet e anula indenização de R$ 5 milhões

Entidade de direitos humanos que ajuizou ação civil coletiva contra falas racistas e homofóbicas vão recorrer ao STF

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Doação de Piquet à campanha à reeleição de Bolsonaro (PL) foi usada como base para cálculo da indenização de R$ 5 milhões - Anderson Riedel/PR

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) acatou, na última quarta-feira (11), o recurso da defesa do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet, anulando decisão anterior que havia condenado o réu a pagar R$ 5 milhões por falas racistas e homofóbicas proferidas contra o piloto britânico Lewis Hamilton em entrevista de 2021. Entidades autoras da ação civil pública contra o ex-piloto prometem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Após o julgamento da apelação apresentada pela defesa de Piquet, o diretor executivo da Educafro Brasil, Frei David Santos, afirmou que a entidade irá “recorrer ao STF, imediatamente”. 

“Temos certeza de que aquele Tribunal está mais preparado para assuntos novos e difíceis. Acabamos de assistir um julgamento baseado nas premissas que eram adotadas no Brasil do Século XIX. O racismo e a LGBTFobia precisam ser retirados das entranhas das nossas instituições. Não recebemos a decisão com surpresa, porque lamentavelmente o preconceito e a discriminação dão a tônica nas instituições brasileiras. Mas não iremos parar. Vamos lutar até que a vitória prevaleça”, afirmou Frei David. 

Racismo "sutil"

O recurso foi julgado pela  4ª Turma Cível do TJDFT que decidiu, com um placar de 3 a 0, pela procedência do pedido. Segundo o relator do caso, o desembargador Aiston Henrique de Sousa, as falas de Piquet se referindo a Hamilton como “neguinho” não configuram discurso de ódio, mas uma “linguagem inapropriada” de “sutil inspiração racista”. O magistrado também entende que as falas foram direcionadas de forma individual e direta ao piloto, não afetando a coletividade como um todo. 

 “Ademais, a utilização de termos da linguagem coloquial eivados de inspiração racista, sutil ou involuntária, ainda que inadequada, não traz consigo a gravidade e relevância suficiente para caracterizar o dano moral coletivo”, afirma em trecho do relatório.

O entendimento vai de encontro à decisão da primeira instância, proferida pelo juiz Pedro Matos de Arruda. Segundo ele, o “neguinho” não foi usado para se referir a um “rapaz” ou a uma “pessoa”, mas em um sentido mais amplo e com “propósito de menosprezo”. O magistrado destacou que a expressão foi utilizada sempre quando Piquet criticava alguma conduta do piloto, mas, quando quis ressaltar aspectos positivos, como três vitórias em corridas, Hamilton ganhou nome. 

“As nuances da linguagem não podem passar despercebidas, pois a sutileza é uma das características do racismo contemporâneo brasileiro: o elemento subjugador está presente, o neguinho não é uma pessoa qualquer, não é um negro jovem, não é um apelido carinhoso, é uma lembrança de que o negro está fazendo algo errado, que é uma raça inferior”, escreveu o juiz.

"Deboche"

Já os termos homofóbicos proferidos pelo ex-piloto durante a entrevista, fazendo a alusão de que o desempenho de Hamilton foi prejudicado pelo fato de estar tendo relações sexuais, foram considerados pelo desembargador Aiston Henrique um “deboche”, que também poderia ter sido feito em relação à “prática sexual entre homem e mulher”. “Não há demonstração de violação aos valores e interesses coletivos juridicamente protegidos da população negra, da comunidade LGBTQIA+ nem do povo brasileiro de modo geral”, conclui o voto do relator, que foi seguido pelos outros dois desembargadores do tribunal. 

O advogado da Educafro, Márlon Reis, considerou que a decisão foi uma “banalização” das palavras ditas por Piquet. “O direito precisa estar a serviço da igualdade, não da banalização das palavras embebidas no mais puro racismo e LGBTFobia. Os Tribunais precisam sentir a dor que a maioria da população sofre em momentos como esse. Vamos recorrer”, afirmou.

Entenda o caso 

Em março deste ano, Piquet foi condenado a pagar R$ 5 milhões para fundos de promoção de igualdade racial e contra discrminação da comunidade LGBTQIA+ em razão de falas racistas e homofóbicas feitas em entrevista em 2021. A decisão, de primeira instância, foi tomada pela 20ª Vara Cível de Brasília.

Na análise do caso, o juiz Pedro Matos de Arruda considerou que o discurso do réu traz tom discriminatório. "Nas oportunidades em que se referiu ao piloto inglês, o requerido utilizou a palavra ‘neguinho’ sempre quando o criticava, associando-o ao período em que não estava com um bom rendimento nas pistas ou a condutas que reputava erradas", escreveu.

Para calcular o valor da indenização, o juiz utilizou como base o valor da doação de R$ 500.000,00 que Piquet fez à campanha à reeleição de Jair Bolsonaro (PL). Como a lei eleitoral limita esse tipo de doação a 10% dos rendimentos brutos, o juiz considerou “nada mais justo” fixar a indenização em R$ 5 milhões, que, segundo o magistrado, seria o valor mínimo de sua renda bruta anual, para “auxiliar o país a se desenvolver como nação e para estimular a mais rápida expurgação de atos discriminatórios".

Em maio, a defesa do ex-piloto apresentou ao TJDFT o primeiro recurso contra a condenação. Mas o pedido foi negado pela juíza de 1ª instância Thaissa de Moura Guimarães.

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Edição: Márcia Silva