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Coluna

Da tentativa de criminalização ao fracasso: o fim da CPI do MST

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Declaração de votos e relatório de parlamentares contrários à CPI constituem retrato fiel das ilegalidades cometidas no curso da CPI - Rogério Thomaz
ataque era direcionado a dezenas de movimentos sociais e sindicais rurais em todo país

No dia 26 de abril de 2023 foi autorizada, pela mesa da Câmara dos Deputados, a instalação da quinta Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a “investigar” as ações e o funcionamento dos movimentos sociais de luta pela terra, especialmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Na noite de 26 de setembro de 2023 os trabalhos chegaram ao fim sem a votação de relatório.

Com uma composição de 27 titulares e 27 suplentes, a Comissão foi hegemonizada por parlamentares de direita. Na presidência o Tenente-Coronel Zucco, e na relatoria o ex-Ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles, ditaram o ritmo dos trabalhos para atender uma agenda política do setor extremista “agro-militar”.

Apesar da gritaria e dos discursos de ódio, os trabalhos objetivos seguiram em ritmo lento. Não havia objeto determinado para se investigar. Inclusive porque a real intenção dos parlamentares da oposição era construir um palco de visibilidade e reprodução das narrativas alucinadas de criminalização dos movimentos sociais. Um sopro de ar dentro das bolhas bolsonaristas em crise.

Apesar de formalmente batizada como “CPI do MST”, o ataque era direcionado a dezenas de movimentos sociais e sindicais rurais em todo país, partidos políticos de esquerda, parlamentares que defendem a reforma agrária, gestores públicos que lidam com a temática, o Governo Federal, e de forma especial os governos da Bahia e de Alagoas.

A tentativa de criminalização foi frustrada, e o tiro saiu pela culatra. Os dois depoimentos que mais repercutiram foram as aulas do professor José Geraldo de Souza Júnior e do militante social João Pedro Stédile. De forma didática, tranquila e muito bem-humorada responderam aos questionamentos com muito conteúdo, demonstrando a inexistência de atividade ilícita na ação legítima dos movimentos sociais que reivindicam o cumprimento de promessas constitucionais.

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Não bastasse o vexame em relação ao mérito dos debates agrários, a desmoralização completa dos bolsonaristas adveio das práticas autoritárias, preconceituosas e misóginas de diversos parlamentares. Sobraram ofensas jocosas às deputadas mulheres, tentaram invadir domicílios em Acampamentos no Pontal do Paranapanema, e agiram de forma agressiva e constrangedora ao tentar expor nas redes sociais pessoas pobres que vivem nos acampamentos visitados. Misoginia, aprofobia e autoritarismo, inclusive com apologia ao Golpe de 64, que alcançam a imagem de todo Congresso Nacional.

Mesmo com prorrogação de mais dez dias, a Comissão encerrou seus trabalhos por decurso de prazo sem a votação de um relatório. A arrogância do relator o conduziu ao isolamento. Apresentou um relatório recheado de frases de efeitos, mas, sem substância probatória em termos jurídicos e políticos.

Uma peça retórica que relembra acusações sem nexo redigidas em PowerPoint não se sustenta. Sobrou convicção e faltou cognição sobre a realidade agrária brasileira. Nem os representantes do “agronegócio moderno” apoiam e conseguem defender esses delírios bolsonarescos de um “agronegócio burro e atrasado”.

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De outro lado, a declaração de voto e relatório assinado pelos parlamentares do PT, PSOL, PCdoB e PSB constituem retrato fiel das ilegalidades cometidas no curso da CPI.

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Ademais, avança sobre os problemas de mérito enfrentados, ao ponto de propor ao TCU, CGU, Governo Federal, CNJ, Governos Estaduais e ao próprio Congresso medidas importantíssimas para efetivação dos mandamentos constitucionais atinentes à função social da terra.

Ao longo desses cinco meses vimos um enorme gasto de recursos públicos sem resultado prático em termos institucionais.

Não obstante, com grande apoio da sociedade e da comunicação progressista nas redes virtuais, os movimentos sociais do campo, o MST e a luta pela Reforma Agrária saem fortalecidos desse processo.

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Recolocou-se na agenda pública nacional a urgência da realização da Reforma Agrária como instrumento para ampliar a produção de alimentos saudáveis e combater a fome; criar sistemas agroecológicos que resinificam as relações da sociedade com o meio ambiente; democratizar a riqueza e a renda diminuindo a desigualdade social com vistas a uma sociedade mais livre, justa e solidária.

Afinal, como entoam milhares de famílias sem-terra por todo o país: a ordem é ninguém passar fome e progresso é o povo feliz!

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* Ayala Ferreira é militante do MST e educadora

** Gabriel Dário é advogado, integrante do setor de Direitos Humanos do MST e da RENAP-DF;

*** Diego Vedovatto é advogado, integrante do setor de Direitos Humanos do MST e da RENAP-DF;

**** Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino