Distrito Federal

Águas Lindas (GO)

Conferência Ecumênica celebra diversidade e cobra respeito às manifestações religiosas

Lideranças de diversas religiões participaram de atividade que apontou caminhos para o combate às intolerâncias

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Com o tema “Caminhos da Fé”, a Conferência foi realizada no dia 19 de agosto - Foto: Adi Spezia

Celebrar a diversidade religiosa foi um dos objetivos da realização da I Conferência Ecumênica de Águas Lindas, Goiás, que reuniu no sábado (19), treze líderes religiosos, além de pessoas interessadas no tema.

Com o tema “Caminhos da Fé”, a Conferência foi organizada pela Associação Sol do Oriente, frente ao aumento dos casos de intolerância religiosa no país e no Distrito Federal. Os casos registrados pelo Disque 100, aumentaram em 106% em apenas um ano. Saltou de 583, em 2021, para 1,2 mil, em 2022, uma média de três casos de intolerância religiosos, por dia. Só em janeiro deste ano, cerca de 70 ocorrências foram registradas pela ferramenta de denúncias de violações de direitos humanos.

Mãe Beth de Iansã, Yalorixá do terreiro Sol do Oriente, conta que a Conferência Ecumênica, teve como objetivo promover o diálogo entre as religiões, pois “preconceito é falta de conhecimento”. Reunir todos esses líderes religiosos certamente é um desafio, mas indiferente da religião ou da doutrina “a união e o amor é que constrói tudo, inclusive destrói o preconceito”, reforçou Mãe Beth.


Mãe Beth de Iansã, Yalorixá do terreiro Sol do Oriente de Águas Lindas (GO) / Foto: Adi Spezia

A pastora Romi Bencke, secretária executiva do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic) avaliou que é muito significativo ter um espaço de diálogo, uma roda de conversa como essa, em pleno século XXI. “É triste quando a gente vê, em nosso país, casas de terreiro e outros espaços sagrados, como, por exemplo, as casas de reza dos povos indígenas, sendo quebrados, queimados, em nome de uma suposta fé”, completou a pastora.

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Romi destacou também o simbolismo da realização da Conferência em um espaço de Terreiro, “simbólico e profético é a gente ter um encontro como esse, nessa casa, no dia em que nós tivemos o sepultamento de mãe Bernadete. Por mais que o assassinato dela não foi por intolerância religiosa, mas foi pela luta insistente dela na defesa do território quilombola, então toda a fé deve ser antirracista, o racismo jamais pode definir a fé de alguém”, afirmou.

Defensora dos quilombolas, a Yalorixá Mãe Bernadete foi assassinada na noite de quinta-feira (17), no Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA), o crime choca pela crueldade e escancara racismo religioso e gana pelas terras quilombolas.

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O Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, Heberte Barbosa, também fez memória às lutas de Mãe Bernadete e apontou diversas semelhanças entre as religiões. Para ele é por essas semelhanças que “nós conseguimos dialogar, não podemos tolerar a violência, não podemos tolerar o desrespeito. O diálogo é fundamental na construção de uma sociedade, de um Estado de direito que seja saudável e que resguarda os nossos direitos, não podemos”, apontou.

A unidade entre as diferentes religiões e a importância do diálogo foram destacados pelo Padre Jacy, da Igreja católica Ortodoxa Bielorrússia no Brasil. “Nós somos um templo sagrado da expressão, aqui estamos dialogando, estamos degustando a palavra de Deus de uma forma sábia, de uma forma humilde, porque Deus é humildade e Deus é sabedoria”, reforçou o Padre ao lembrar que somos parte de um todo, de uma grande aliança de fé.

Diversidade religiosa

A diversidade religiosa está relacionada a liberdades dos indivíduos de cultuar sua fé, mas também de respeitar e valorizar todas as manifestações religiosas. Não há uma única religião, ou uma que seja a verdadeiras, reforçaram a Mãe Delcione, Yalorixá Seara Espírita De Umbanda Ogum, Oxóssi E Xangô, e o Pai André, Babalorixá do Centro Espírita Comunitário Pai Joaquim de Aruanda.

A palavra “intolerância” foi questionada durante à Conferência, é preciso respeitar, não apenas tolerar a religião do outro. “Gosto de falar a palavra racismo religioso e não intolerância religiosa, porque o que as religiões de matrizes africanas sofrem, quanto ao preconceito, é diferente das outras religiões. É racismo porque a violência que nós sofremos é por conta da nossa origem, da nossa origem negra, da nossa origem africana”, apontou Ogan Michael Laiso Felix, presidente da Associação de Tradições Culturais e Sociais Afro-Brasileiras e Ameríndias do Estado de Goiás (ATRACAR-GO).

O Pai Obalajô de Xangô, Babalorixá do Ilê Obá Asé Egbé Àlàfin Òyó, também trouxe ao debate as lutas e resistência do povo negro no Brasil, enfatizando o papel da educação na formação de novos sujeitos. “Se um for ensinando ao outro, a história vai mudando aos poucos. Temos seguidores e esses seguidores vão ser orientados por nós, politicamente, socialmente, culturalmente e religiosamente”, reforçou.

Também com um olhar para Educação e a diversidade religiosa, Gyoushuu Tadokoro, monge do Budismo Primordial, destacou que o fruto da intolerância, do racismo, da ignorância, é a falta do conhecimento. “A gente está aqui num plano de diversidade, de ideias diferenciadas, no entanto, o que nós temos de igualdade é o que nós somos de fato, seres, seres cientes, que objetificam algo maior”, reafirma Monge Gyoushuu.

Para o Monge, a falta do conhecimento é o que faz com que as pessoas sejam ignorantes e intolerantes, por isso o budismo tem como primeira premissa a consciência. Quanto a fé, “ela é essencial e primordial na vida de todos, mas ela não pode exercer uma conduta ignorante, prepotente, sobre a fé ou a conduta de outra pessoa. Se somos todos iguais, então, que sejamos, de fato, dentro da fé de cada um”, reforçou.

Respeito

“Que movimento maravilhoso, grandioso, conseguimos colocar pai de santo, padre, pastor, maçom, budista falando a mesma língua. A falta de conhecimento, infelizmente, nos faz regredir. Andar mais para trás. Isso é ruim”, avaliou Pai Davi Santiago sobre a realização da Conferência.

A falta de conhecimento como fator gerador da intolerância também foi apontada por Shellem Alves Peixoto da Sociedade Ayahuasqueira e Medicinas da Floresta e do Centro Universalista Fogueira Sagrada e pelo Venerável Mestre Maçom e presidente da Loja Maçônica Mensageiros da arte Real, Nildomar Lopes.

“Às vezes, as pessoas ouvem e não conseguem entender perfeitamente [aquela crença] e leva aquilo para o exterior de uma outra forma. Isso gera a intolerância, gera o preconceito. Deus é único, não importa a forma como que você acredita”, pontuou Mestre Maçom.


Carta da 1ª Conferência Ecumênica de Águas Lindas ainda será divulgada e entregue ao Poder Público / Foto: Adi Spezia

Diante das trocas de experiências e diálogo, as lideranças religiosas que participaram da Conferência destacaram a importância de desmistificar preconceitos e apontaram caminhos.

Em uma carta que será divulgada posteriormente, observam que o compromisso para a boa convivência entre as religiões é de todas as pessoas, inclusive dos “três poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário); do conjunto do Poder Público, incluindo a esfera municipal, estadual e federal, a ação educativa diante do combate à Intolerância e ao racismo religioso; além de tratamentos equânimes no que tange aos direitos e deveres das mais diversas práticas religiosas existentes”.

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Edição: Flávia Quirino