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Futebol feminino: desafios maiores fora do campo

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"Tendo em vista o combate ao patriarcado, no âmbito do esporte é necessário que trabalhemos de forma integrada as diversas perspectivas de inclusão." - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
O futebol feminino é uma espécie de prisma que reverbera eixos importantes de debate sobre gênero

O último jogo da seleção feminina que vai disputar a Copa do Mundo em menos de um mês ocorreu no domingo, 02 de julho, em Brasília. Dentro de campo a seleção controlou o jogo do começo ao fim e goleou a frágil seleção chilena, que mal conseguiu jogar no campo adversário.

O Chile, que perdeu na repescagem da seletiva da Copa para o time do Haiti, ameaçou o gol apenas duas vezes em todo o jogo. De tão segura que estava a seleção em vários momentos a goleira brasileira podia ser flagrada quase no meio de campo, posicionada como última zagueira.

A esquadra brasileira demonstrou solidez no meio campo, agilidade no ataque e eficácia no jogo aéreo com três gols de cabeça, de Gabi, Duda e Geyse. Luana pegou o rebote e fez bonito gol, chutando da entrada da área. Há ainda tempo para crescer no campeonato e ajustar os erros que ocorreram nas jogadas de ataque, com a chegada rápida sendo frustrada pela ausência de chutes a gol de fora da área quando havia espaço ou por passes precipitados e errados dando margem para contra-ataques.

Marta entrou no segundo tempo e arrebatou a plateia: mesmo não fazendo gol seu toque de bola é de outra qualidade. Não temos uma das seleções favoritas, mas certamente podemos surpreender e vencer ou, chegar entre as quatro primeiras seleções.

Feita a breve resenha, o que é de espantar “ainda” no futebol brasileiro, mais agravado no feminino, é como os problemas fora de campo são maiores que os de dentro dele. E, no caso do futebol feminino, isso tem a ver com o patriarcado e sua ramificada estrutura de dominação.

A foto do estádio, com apenas as arquibancadas inferiores ocupadas, e somente 15.892 pessoas de público pagante, pode levar o olhar desavisado a debitar na conta do público machista a razão do esvaziamento do Mané Garrincha. Todavia, o preço do ingresso colocado a R$ 75 a meia entrada, sendo na real comprado por R$ 87, por conta de supostas “taxas”, é o principal motivo do esvaziamento.

Se um dos desafios a ser superado no futebol feminino é a popularização, como é possível que autoridades públicas concordem com esse valor de ingresso?

Se os ingressos custassem menos da metade desse valor, as arquibancadas superiores fossem abertas, as passagens de metrô e ônibus com tarifa zero para a população nos horários de ida e volta do jogo, teríamos certamente a adesão massiva que o potencial de lotação do estádio permite.

Afinal, por qual razão foi construído um estádio de tal gigantismo se, quando temos um jogo desta natureza, os ingressos, o estacionamento custando R$ 30 na arena do estádio, e os preços das passagens são proibitivos?

Tendo em vista o combate ao patriarcado, no âmbito do esporte é necessário que trabalhemos de forma integrada as diversas perspectivas de inclusão.

Uma delas é a pedagógica, na medida em que a desigualdade de gênero é estabelecida desde as aulas de educação física na maioria das escolas brasileiras: o direito à saúde, à alimentação, à cultura, passa também pelo direito à introdução ao esporte, à aquisição do repertório de habilidades físicas que permita que todas e todos não se sintam excluídos por não terem sido estimulados no momento certo a desenvolver as aptidões físicas, a coordenação motora fina. Se pode optar por jogar ou não jogar tal ou qual esporte, mas é preciso que a educação física forme a base que dê o direito de escolha, e que a negativa não se dê por restrição de acesso às quadras, arenas e campos, por falta de estímulo dos professores e colegas, por autoestima baixa devido à privação do letramento motor básico.

No ambiente doméstico e nas ruas reside outro desafio: em que medida as meninas gozam da mesma liberdade e recebem o mesmo estímulo dos pais, dos irmãos, avós, para jogar bola?

A ausência da naturalização do futebol jogado por mulheres em nossa cultura repercute também na diferença de remuneração das jogadoras se comparada ao salário dos jogadores homens. Os jogos femininos não são exibidos como os masculinos, nos programas de entrevista os times femininos são focos de menos comentários, na publicidade há menos espaço para a imagem das jogadoras em comerciais.

Temos amargado enquanto sociedade recordes ruins, como os altos índices de feminicídio e de múltiplas formas de violência contra a mulher.

O futebol feminino é uma espécie de prisma que reverbera eixos importantes de debate sobre gênero, como o espaço das mulheres no esporte, a pauta da igualdade de remuneração com os homens, o combate à objetificação. A reversão do problema demandará medidas transversais e articuladas, que precisam refletir para dentro e fora do campo.

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*Rafael Villas Bôas é professor da Universidade de Brasília.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino