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GDF: Portaria que proíbe manifestações sem aviso prévio é inconstitucional, afirma especialista

Comitê criado para aperfeiçoar atuação dos órgãos de segurança em protestos não prevê participação da sociedade civil

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Portaria é considerada controversa - José Cruz/Agência Brasil

O governo do Distrito Federal, em portaria publicada no dia 4 de abril, estabeleceu novas regras para manifestações na área central de Brasília. Segundo o texto, as reuniões na Zona Cívico Administrativa só poderão ocorrer mediante comunicação prévia ao Secretário de Segurança Pública do DF, que poderá vedar a manifestação caso identifique risco à ordem pública.

De acordo com a portaria nº 56, a Zona Cívico Administrativa de Brasília, constituída pela Esplanada dos Ministérios, Eixo Monumental, Eixo Rodoviário Sul, Eixo Rodoviário Norte, Esplanada da Torre, Plataforma Rodoviária, Praça Municipal, Praça dos Três Poderes,Setor Cultural Norte, Setor Cultural Sul, Setor de Divulgação Cultural, e Setor do Palácio Presidencial, passa a ser considerada Área de Segurança Especial (ASE). 

Por isso, manifestações nesses locais, segundo o documento, devem ser precedidas de comunicação prévia à Secretaria de Segurança Pública (SSP), com antecedência mínima de cinco dias úteis. Além disso, a pasta, atualmente chefiada por Sandro Torres, poderá proibir o protesto caso a análise de risco aponte “grave ameaça à estabilidade institucional, ao estado democrático de direito, à segurança ou à ordem pública”.

Bolívar Kokkonen, mestre em Direito pela UnB e militante do Movimento Brasil Popular, afirma que a necessidade de aviso prévio para realização das manifestações é inconstitucional.

“A Constituição Federal coloca o direito à livre manifestação e a liberdade de expressão como preceito fundamental, portanto deve ser restringido em situações absolutamente excepcionais”, atesta.

O texto constitucional aponta que todas as pessoas têm o direito à reunião pacífica, sem armas, em locais abertos ao público, “independente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”. 

Bolívar explica que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem interpretado que o aviso prévio à autoridade do qual fala a Constituição tem caráter meramente informacional. Assim, o Estado não pode colocar a comunicação prévia como uma condição necessária para a realização de manifestações, nem permitir que qualquer ente público as proíba. 

Segundo o advogado, o tema foi debatido em diversas ocasiões pela Corte, como no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº. 548, quando o STF julgou a possibilidade de manifestações políticas em universidades públicas no contexto das eleições de 2018. 

“No julgamento, a Corte ressalta a ligação direta entre a liberdade de manifestação e a liberdade de expressão, afirmando que não cabe censura prévia a esses direitos e que tal medida é característica de Estados de exceção”, explica o mestre em Direito. 

Outro ponto da portaria apontado como controverso pelo advogado é o que prevê que a Secretaria de Segurança Pública poderá impor restrições às manifestações “em razão do risco à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Para Bolívar o conceito de ordem pública é absolutamente vago. 

“Sobre esse tema o STF também tem entendido que a restrição a direito fundamental em nome da ordem pública exige demonstração específica do risco, não cabendo valoração abstrata”, explica.

Comitê

A portaria estabelece ainda a criação do Comitê Técnico de Aprimoramento das Normas e Protocolos Relacionados às Manifestações Públicas (CTAMP) que deverá propor formas de aperfeiçoamento da atuação integrada dos órgãos de segurança pública em manifestações no DF. O comitê será composto por representantes da SSP, da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros, da Polícia Civil, do Departamento de Trânsito e da Casa Militar, sem qualquer menção à participação de setores da sociedade civil. 

“Em se tratando de interesse direto da sociedade, é no mínimo razoável que exista representação direta da sociedade civil (associações, sindicatos e etc.) na composição da Comissão. Além disso, é válido lembrar que da composição prevista no art. 14 [da portaria], ao menos três órgãos foram avisados sobre o risco dos atos terroristas que ocorreram no dia 8 de janeiro (SSP/DF, PM/DF e PC/DF). Qual a legitimidade?”, questiona Bolívar.

As novas regras criadas pelo GDF que permitem a restrição de manifestações públicas foram decretadas três meses após os atos golpistas de janeiro, em que grupos bolsonaristas invadiram e depredaram a sede dos três poderes no DF. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi instalada na Câmara Legislativa para investigar se houve omissão dos órgãos competentes do Distrito Federal durante os atos antidemocráticos.

“Evidente que não se nega aqui os eventos ocorridos no dia 8 de janeiro. Contudo, fazendo um rápido paralelo, as manifestações ocorridas naquele dia parecem ter cumprido os requisitos exigidos pela Portaria, uma vez que, a um, a análise de risco foi feita pelas autoridades competentes, que não tomaram as devidas precauções apesar dos avisos e, a dois, existia comunicação prévia, mesmo que não nos moldes da portaria, tendo em vista que os terroristas foram escoltados pela PM até a Praça dos Três Poderes”, afirma Bolívar Kokkonen.

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Edição: Flávia Quirino