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Coluna

A responsabilidade histórica e urgente dos homens na luta contra o patriarcado

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"O combate ao patriarcado e toda forma e estrutura opressiva, deve acontecer em TODOS os espaços e em TODOS os níveis de relação". - Foto: Vanessa Tutti
Você quer fazer parte dos que construíram o mundo novo ou da ruína do velho?

- Ei, você já reparou na forma como ele trata e se comporta com as meninas?!

- Não! O que ele faz?

- Implica, bate, persegue, se recusa a dividir os brinquedos, não respeita os espaços...

- Ah! Isso é coisa de criança! São disputinhas comuns.

- Mas ele só faz isso com as meninas.

- Tem certeza? Será que não são elas que provocam e não o deixam participar do jogo como ele gostaria? Por isso, esse comportamento que você supõe existir. Ele age dessa forma porque não sabe lidar com frustrações.

- Acho importante você mediar, falar com ele. Esse comportamento me preocupa. Penso no futuro. 

- Tá, mas e elas?! Estão excluindo ele! Você não vai falar para serem mais acolhedoras e legais? Está pensando somente em um lado. Você não está sendo justa. Ele é só um menino! Só tem 8 anos!

- Esse menino um dia terá 40 anos e seguirá se comportando como um garotinho mimado e ao invés de dar birra como faz hoje, vai agredir e violentar mulheres.

- Nossa! Pra quê isso?! Para de pesar o clima! Você é sempre muito densa! Isso é da idade. Ele vai aprender que não pode fazer isso quando crescer. Vai passar!

E não passou. Ele cresceu e se tornou um misógino, um homem que odeia mulheres. Que transforma corpos femininos em objetos descartáveis, que embriaga e depois estupra, que estupra de forma "culposa" sem intenção de estuprar, que conquista afetos para depois desaparecer, que agride, até mesmo as gestantes; que chama de alienada do mundo, para não dizer louca; que abandona suas crias, que sobrecarrega e não se responsabiliza por nada, nem por questões da casa ou da relação, um homem que grita e ameaça, ou que não grita nem ameaça, mas manipula; que diz não conhecer nenhuma mulher competente para ocupar espaços, um machista.

Nesses últimos dias, diversos casos de violência de gênero repercutiram nas mídias.

Um jogador famoso que estuprou uma jovem, o cara que no reality show confortavelmente “brincou” de ameaçar encher de cotoveladas a boca da moça que ele beijava e não satisfeito, após ser repreendido no ao vivo, o embuste ainda tentou convencer a atriz a defendê-lo para não prejudicar sua imagem. Porque afinal, é isto que importa: não parecer ser um machista abusador em rede nacional. No off, em casa, pode?! "Tem tanto homem abusador e violento por aí e ninguém fala nada. Agora, de mim, querem falar?! Não aceito ser bode expiatório!" Esperneiam alguns homenzinhos que um dia foram menininhos mimados e sem limites.

Outro caso que repercutiu bastante foi o do ator que abandonou a esposa no puerpério com uma criança pequena e a outra recém-nascida. Ele precisava de tempo para ler e se reconectar, coitadinho. Enquanto a mulher que acabou de parir e tá sem dormir direito, amamentando, sem conseguir lavar o cabelo e fazer uma refeição tranquila que lute para arrumar tempo de cagar e tomar um banho. Eu escrevi: cagar e tomar banho, nem foi ter tempo para ler ou fazer outras coisas.

Importante ressaltar que apesar das críticas feitas por muitas mulheres, todos esses homens foram acobertados e protegidos pelo patriarcado e pelo pacto da masculinidade que impera na nossa sociedade. Vi pouquíssimos homens falarem a respeito. Os poucos posicionamentos que li e ouvi foram de homens negros que abordam questões sobre masculinidade negra, mas e os demais?

Aos pais é permitido tudo, inclusive se ausentar de suas responsabilidades por um tempo ou permanentemente. Para as mães não existem férias, descanso, pausa, atestado. "Você não quis engravidar?!" Ouvi uma vez. Toda essa sobrecarga atravessada pelos padrões estéticos e de beleza. A mulher tem que estar sempre impecável, viu? PA-DRÃO. Com o treino pago e a depilação em dia, sempre magra e sem criar expectativas, sem fazer exigências ou cobranças que é para não pressionar o Arlequim e assim as coisas fluírem naturalmente. Deixar fluir naturalmente é o mesmo que: manter as estruturas como são e sem responsabilização por isso.

O que passam as mulheres e meninas ao longo da vida é algo parecido com ser colocada em um moedor e esperançar atravessá-lo intacta, inteira, ilesa.

- Ah! mas nem todo homem é assim! Você tá exagerando, Meimei. Você odeia meninos e homens! Exagero, Arlequim?

Nenhuma mulher quando fala das violências de gênero, sofridas por todas nós, exagera.

A cada hora 26 mulheres sofrem agressão física. Só no primeiro semestre de 2022 foram registrados 699 casos de feminicídio, isso só no Brasil. Um levantamento feito em 2021 apresentou que dos 18.681 registros de violência sexual contra crianças e adolescentes, cerca de 74% das vítimas eram meninas. Esses dados foram compartilhados pela UNICEF, Arlequim. Não é coisa da minha cabeça. O ódio não vem de mim, é o contrário disso. O ódio está voltado para mim. Sou eu o alvo. E você o que faz para mudar essa realidade?

- Mas eu não sou assiiiiiim! Não violento meninas e não sou abusivo com mulheres! Eu A-POI-O o feminismo! Até sei quem é a vice-presidente da Colômbia! Ela é mulher e é negra e é vice-presidente da Colômbia! Você já ouviu falar dela? Conhece ela? Tem que conhecer! Ela é vice-presidente da Colômbia. Você sabe onde fica a Colômbia?

Certo, certo. Para além desse discursinho raso que só impressiona seus compas, que são iguais ou piores, e dessa sua camiseta de "militante", você faz o quê, Arlequim? Onde está a sua prática real e cotidiana na luta contra o patriarcado? Até onde você tem se responsabilizado? O que tem feito para que as violências de gênero não se perpetuem? Que tipo de meninos você tem criado? Que exemplo tem dado aos mais jovens? Que tipo de referência é você? Como se comportam seus parças? O que você faz com relação ao comportamento machista e opressor das pessoas que estão a sua volta?

Fazer o mínimo não significa trabalhar pela transformação das estruturas. É necessário vivenciar inteiramente o discurso que você orgulhosamente vomita. Parafraseando Angela Davis: Numa sociedade machista, não basta não ser machista. É necessário ser antimachista. Crie vergonha nessa sua cara barbuda e consciência nessa sua cabeça calva e vá colocar em prática o que você anda compartilhando por aí. Se responsabilize!

Os principais responsáveis por cultivar nos meninos a semente do antimachismo são os homens. Nós, mulheres somos importantes nesse processo, mas os homens são essenciais! Digo de essência mesmo. São eles o espelho e a fonte onde os meninos devem mirar e se nutrir para que no futuro não se transformem em agressores e violadores. O processo de destruição do patriarcado começa quando de pequeno e em casa. A família é a primeira escola. Escola do sentir e agir, de existir no mundo.

Deve ser muito difícil lutar efetivamente contra uma estrutura que te beneficia diretamente, imagino. Quantos bilionários você conhece que lutam contra o capitalismo? Imagina a branquitude lutando para acabar com o racismo?! É urgente e necessário lutar contra todas as opressões, desigualdades, violências e explorações que existem, mesmo as que te beneficiam. O mundo é de todes! Todes devemos existir de forma plena e digna. Não só uma pequena parcela exclusiva.

O combate ao patriarcado e toda forma e estrutura opressiva, deve acontecer em TODOS os espaços e em TODOS os níveis de relação.

Ouviu aquele mano tecer uma piada ou comentário machista? Advirta-o.

Viu ou soube do amigo ser abusivo, ou agressivo com sua companheira? Intervenha e repreenda.

Percebeu que seu primo/sobrinho/filho pequeno apresenta comportamentos machistas? Dialogue e ensine-o a respeitar e não a controlar e oprimir corpos femininos.

Não se silencie diante de nenhuma opressão. Aja e intervenha! Você sabe o que deve ser feito. Só precisa se comprometer de verdade, Arlequim.

- Ah! Mas assim as pessoas vão se distanciar de mim. Quer que eu me isole do mundo? Quer que eu viva numa bolha, é?

Se para você tudo bem seguir inerte e indiferente diante de posturas, ideias e práticas opressoras e violentas, luta que segue. Mas lembre-se: foram vocês, especialmente os homens brancos, que criaram toda essa merda. São vocês, homens, que devem cortar esse mal pela raiz.

Não esqueça que a chama da transformação inflama no elo mais fraco das estruturas. O machismo e todas as opressões hão de ruir. Você quer fazer parte dos que construíram o mundo novo ou da ruína do velho?

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*Meimei Bastos é escritora, educadora e produtora cultural. Coordena o ponto de cultura Caracas, véi e o Campeonato de Poesia Falada do DF e Entorno.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino