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O amor acaba?

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"É preciso amar a própria companhia, os próprios pensamentos, as próprias faltas e vazios" - Foto: Reprodução Pixabay
Todo amor tem seus esgotos e suas enchentes.

Para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba. Mas pode não acabar, meu querido Paulo Mendes Campos. O amor pode acabar sim, e também pode se transformar, metamorfosear. Pode ainda ser amor, mas de outra qualidade, de outra espécie. Diferente dos piqueniques ensolarados na memória do amor romântico, pode ser a fofoca despretensiosa num café. Pode ir das aventuras tresloucadas de um grupo de amigos para a cama. Sim, o amor acaba. Para recomeçar. Porque sem amor, não dá.

O amor acaba às vezes, para existir em si mesmo. Amar a si mesmo como ao próximo. Porque no ímpeto de agradar, de não perder, podemos nos anular. E aí o amor acaba. O amor acaba para recomeçar, como fogo que arde sem se ver, também renasce das cinzas. Afinal, como amar alguém, como amar além, sem amor próprio? Para recomeçar, às vezes o amor precisa sentir saudade. Precisa saber como amar a própria solidão, para depois amar a companhia.

Mas o amor nunca acaba de repente. Aquilo que vai acontecer, já está acontecendo. Todo amor tem seus esgotos e suas enchentes. Aquele amor que não trata seus desgostos, que não comunica seus problemas, uma hora vem à tona com toda sujeira. E aí o amor acaba. Sempre arrumam uma culpada, um culpado. Mas e o esgoto, só será tratado depois das enchentes? O problema nunca é a gota d'água, é o copo cheio.

O amor acaba para recomeçar numa segunda de lua nova. Ou numa terça de lua cheia. O amor pode recomeçar em qualquer lugar, a qualquer minuto. Não precisa virar o ano. Não precisa ser depois do carnaval. O amor pode recomeçar na sua família, no natal. Num reencontro de amigos. Num bar pé sujo da capital. O amor pode acabar numa encruzilhada, para surgir o que nunca foi: uma amiga, um namorado. Mas ainda amor. Porque o amor pode acabar, mas também pode transcender.

O amor também acaba, porque todas as coisas acabam. A vida acaba. Assim o deus Mu dança, e gira o mundo. Às vezes capota, mas continua mundo. O amor também. Diferente, porque nós já somos diferentes. Nunca entramos no mesmo rio. O amor também. Natural, como todas as coisas naturais, o amor se renova ou acaba. Assim, os incomodados se atraem. Os acomodados se distraem com a memória congelada da paixão. Na ambiciosa fantasia da eternidade, o amor também acaba.

O amor sempre acaba na solidão, porque volta à fonte, à nascente. De onde o amor ao outro, à outra emerge, é também fonte de alimento próprio. É preciso amar a solidão. É preciso amar a própria companhia, os próprios pensamentos, as próprias faltas e vazios. É preciso criar um espaço em si como uma rede aconchegante, que balança mas não cai.

"No quê você está pensando?", não responda. É um espaço só seu, onde o outro, a outra, não alcança. Aí, o amor pode acabar, Paulo Mendes Campos. Mas recomeça em si mesmo, por qualquer motivo, em qualquer hora, em qualquer lugar.

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*Diego Ruas é escritor, designer e engenheiro florestal.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino