Distrito Federal

Racismo

Movimentos sociais e núcleo jurídico da UFG atuam juntos contra “racismo recreativo”

Médico que cometeu crime de racismo ao acorrentar um funcionário, pode ser condenado a pagar danos morais

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Racismo recreativo não existe - Tatiana Machado - Arquivo Flickr

Em março deste ano, o médico Márcio Antônio Souza Júnior foi indiciado por racismo. Ele responde pelo crime porque gravou um caseiro, homem negro, acorrentado pelos pés, mãos e pescoço, em uma fazenda na Cidade de Goiás. No vídeo ele diz que o funcionário vai “ficar na senzala” por não estudar.

Delegado do caso, Joaquim Adorno afirmou que "tem que reforçar que não é porque foi uma 'brincadeira', que não é crime". Também de acordo com ele, o indiciado responde em liberdade e não cabe prisão no momento. A pena para quem é condenado por este crime é de dois a cinco anos de prisão. Em maio deste ano, o Ministério Público de Goiás, denunciou o médico por prática do crime de discriminação e preconceito de raça e de cor, mediante publicações em redes sociais e pediu o bloqueio de R$ 2,1 milhões, pedido que foi deferido pela Justiça.

No dia 30 de novembro, o Núcleo de Práticas Jurídicas da Universidade Federal de Goiás (NPJ) realizou um ato público para comunicação do protocolo da Ação Civil Pública (ACP), junto aos movimentos sociais. O evento foi realizado no Campus da UFG e teve a participação de líderes e representantes do Movimento Negro Unificado (MNU), Associação Quilombola Alto Santana, Secretaria de Igualdade do Município de Goiás, Comissão de Heteroidentificação do IFG e Comissão de heteroidentificação da UFGA.

Representante do MNU, Karen Nascimento, destacou o compromisso da entidade com a ação coletiva. “Racismo é crime e não podemos admitir esse comportamento dentro da nossa sociedade, por isso reafirmamos nosso compromisso com essa ação coletiva”.

A ação foi protocolada em 1º de dezembro e tem como autores o MNU, o Centro de Referência Negra Lélia Gonzalez, Grupo Mulheres Negras Dandara no Cerrado, Instituto Braços – Centro de Defesa de Direitos Humanos em Sergipe, Associação Anunciando a Consciência Negra com Meninos de Angola e a Associação Quilombola Alto Santana, e atuam com a Assessoria Jurídica do NPJ/UFG-Campus Goiás, e do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de Goiás.

O Núcleo de Práticas Jurídicas da UFG, em conjunto com a Defensoria, protocolou a ACP para reparação de danos morais coletivos à população negra, referente ao caso do fazendeiro e médico. Como forma de reparar os danos morais cometidos, os autores pedem que o empregador financie a construção de um Memorial do Povo Negro, na Cidade de Goiás, local onde ocorreram os fatos. Além disso, a Ação demanda ainda que o homem deve custear formação profissional para a população negra da cidade, com disponibilização de cursos e bolsas de estudo, que serão administrados pelo Memorial do Povo Negro.

Na ação, também é requerido o bloqueio imediato de todos os bens do empregador para promover a reparação por danos morais. A causa tem o valor de R$ 2 milhões. A Ação Civil Pública por Danos Morais Coletivos pode ser acompanhada pelo site do Tribunal de Justiça de Goiás.

“O Núcleo de Direitos Humanos é um instrumento para concretizar a pauta antirracista. Essa ação civil pública é necessária porque tem educação em direitos, e além disso uma educação antirracista, para mostrar que o ato feriu toda a comunidade”, destacou o o defensor público e coordenador do NUDH, Marco Túlio Félix Rosa.

O caso ganhou repercussão e a Prefeitura da cidade divulgou uma nota dizendo que o ato causava "repulsa". Também à época do caso, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO) disse que "rechaça qualquer incitação ao racismo".

Racismo não é brincadeira

Quando a história começou a repercutir, o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares e defensor dos direitos da população negra, José Vicente, disse que o ato não pode ser encarado como uma "brincadeira". "Não se pode brincar, não é uma brincadeira devida nem apropriada e ela menos ainda serve como uma justificativa de retirar seja responsabilidade, seja culpabilidade, seja civil, penal ou criminal ou mesmo social em um fato concreto como esse", disse.

De acordo com o Coordenador do NPJ/UFG - Campus Goiás, Humberto Góes, a ação é protagonizada pelos movimentos e organizações sociais de luta por direitos do povo negro. "Os Movimentos Sociais são os protagonistas dessa ação e a responsabilização pelos danos morais coletivos é fundamental para que a gente comece a dar efetivamente um basta no racismo no Brasil”, explica.

"O racismo é uma chaga aberta na sociedade brasileira. Povoa multifacetado a convivência cotidiana e, em forma de 'humor', o que parece 'dócil', 'despretensioso' e 'sem violência' se revela mais cruel. Na subliminaridade da expressão lúdica, ganha alcance e adesão das novas gerações e 'naturaliza' hierarquias baseadas na cor da pele", afirma Goés.

Em nota o Conselho Regional de Medicina do Goiás (CREMEGO) ressaltou, segundo o artigo 23 do Código de Ética Médica veda ao médico “tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto” e com base nesse entendimento, repudia a conduta repudia a conduta do médico que, mesmo fora do ambiente de trabalho, agiu de forma incompatível com o esperado de um profissional de medicina, e vai apurar o caso.

O Brasil de Fato DF tentou contato por telefone com o médico Márcio Antônio Souza Júnior, mas o mesmo não atendeu as ligações. O espaço está aberto para futuras manifestações.

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Edição: Flávia Quirino