Distrito Federal

Direitos Humanos

Justiça reconhece interesse social em ocupação de mulheres no Guará (DF)

Após despejo truculento pela PM, movimento retoma imóvel que abriga vítimas de violência

Brasil de Fato | Brasília (DF)* |
Ocupação nasceu em um prédio abandonado há mais de 10 anos, que passou por limpeza e vem sendo revitalizado pelo Movimento, que pretende recuperar sua função social. - Foto: André Ribeiro

Após sofrerem um despejo truculento da Polícia Militar, ordenado pelo Governo do Distrito Federal (GDF), integrantes do Movimento de Mulheres Olga Benário retomaram, na noite desta terça-feira (22), a ocupação da Casa de Referência Ieda Santos Delgado.

O imóvel, localizado no Guará, região administrativa do DF, foi ocupado há cerca de um mês pelo coletivo, que transformou o lugar em um espaço de acolhimento e apoio para mulheres em situação de violência doméstica, interrompendo um abandono de mais de 10 anos da área, que é pública e pertence do GDF.

A reocupação está amparada por uma decisão do juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros, proferida também na terça, em que concede liminar pela permanência da ocupação. No despacho, o magistrado reconheceu o trabalho desenvolvido pela Casa Ieda Santos Delgado e criticou a postura do governo Ibaneis Rocha, que agiu prontamente para acabar com uma ocupação social pacífica enquanto fecha os olhos para ocupações ilegais de particulares em áreas nobres da capital, notadamente o Setor de Mansões Park Way (SMPW). 

"A parte autora demonstra que exerce atividade de elevadíssimo interesse social, relativa ao abrigamento e proteção de mulheres em situação de especial vulnerabilidade. Para tanto, ocupou um imóvel público que estava notoriamente abandonado e em processo de deterioração avançada. Após a ocupação, o Distrito Federal, que se recusa a exercer o poder de polícia sobre invasões de particulares em áreas públicas no Lago e no SMPW, afetou inédita eficiência para exigir a remoção da organização social, sob a premissa de que já desenvolve políticas públicas suficientes e adequadas de proteção a vulneráveis, o que notoriamente não condiz com a verdade", argumentou o juiz.

A Administração Regional do Guará informou que a casa atualmente é objeto de parceria público-privada para a instalação do novo Centro de Convivência do Idoso (CCI), em fase de licitação. O órgão, no entanto, não informou quando esse novo equipamento público será disponibilizado e, agora, o imóvel deverá ser fechado por tempo indeterminado. A ameaça de despejo já havia sido feita na semana passada pelo administrador do Guará, Roberto Nobre da Silva, e foi concretizada na última segunda-feira (21) pela. 

Para o juiz Maroja, a ocupação e uso de bens públicos exige observação de regramento jurídico próprio, como a Lei de Licitações, mas ponderou que a Casa Ieda cumpre funções constitucionais enquanto um imóvel público segue abandonado. 

"É bem verdade que a ocupação e uso de bens públicos exige, em linha de princípio, a subordinação ao regramento jurídico próprio, inclusive os dispostos na Lei de Licitações. Contudo, também é verdade que o resguardo da vida, segurança e integridade física das pessoas é sobreprincípio constitucional - e, ao que aparenta, a parte autora vem concretizando exatamente esses sobreprincípios", escreveu. Na decisão, ele determina a suspensão de quaisquer atos de remoção do projeto social e das pessoas abrigadas no imóvel, até que se tenha mais elemento de análise do caso.

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Apesar da retomada da casa, as líderes do movimento informaram que agora estão sem energia elétrica, água e ainda tiveram parte de seus pertences levados pela Administração Regional do Guará, incluindo roupas, documentos e objetos pessoais. Agora, as mulheres tentam receber material de apoio, como cobertores e mantimentos. Um ato em solidariedade ao movimento acontece nesta quarta-feira (23), às 14h30 na Casa Ieda Delgado.

 

Procurada para comentar a decisão, a Administração do Guará  informou que foi "cientificada ofcialmente, no fim da tarde desta quarta-feira (23), acerca de decisão judicial sobre a manutenção do movimento no prédio e que cumprirá a decisão, resguardando-se do direito de recorrer à decisão".

Saiba mais

A ocupação, é a 13ª do Movimento Olga Benário no país, sendo a primeira no Centro-Oeste, foi batizada de Casa Ieda Santos Delgado, em homenagem à militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) durante a ditadura militar, estudante que se formou em ciências jurídicas e sociais pela Universidade de Brasília (UnB), em 1969. Devido à sua atuação política, que se iniciou ainda no movimento estudantil, foi presa pelo regime em abril de 1974, quando desapareceu. A Comissão Nacional da Verdade concluiu que Ieda foi torturada, morta e enterrada pelos militares.

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Segundo as organizadoras da ocupação, o espaço surgiu no vácuo de assistência deixado pelo fechamento da Casa da Mulher Brasileira e da necessidade de acolher as vítimas de violência doméstica no DF. Diariamente, a Casa Ieda realizava programação de oficinas culturais e práticas oferecidas por profissionais voluntários. Até uma horta orgânica comunitária foi plantada na área externa da casa, para assegurar as soberania alimentar das mulheres atendidas no local. 

Doações

A ocupação recebe doações de itens de higiene pessoal, alimentos não perecíveis, colchões, roupas de cama, eletrodomésticos, entre outros (a lista de itens necessários está disponível no Instagram do movimento. Além disso, doações podem ser feitas via Pix, por meio da chave [email protected]. Neste mesmo email, é possível contribuir oferecendo serviços voluntários, como palestras, oficinas, consultorias e outros trabalhos.

*Matéria atualizada às 19h26 de quarta-feira (23) para inclusão de informação por parte da Administração Regional do Guará. 

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Edição: Flávia Quirino