Distrito Federal

Violência doméstica

Redução de feminicídios no DF pode estar ligada à subnotificação e sazonalidade da violência

Para ativistas, dados não refletem a realidade das mulheres no Distrito Federal

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
A maioria dos casos de violência ocorre em casa aos finais de semana - Foto: Arquivo/ Agência Brasil

No dia 3 de agosto, Jeanne Pires dos Santos, de 31 anos, foi morta pelas mãos do próprio companheiro com quem vivia em Ceilândia Norte. Segundo a polícia, o casal já tinha histórico de violência doméstica e um procedimento arquivado na justiça. Jeanne foi agredida ao ponto de sofrer parada respiratória. O corpo dela apresentava diversos hematomas.

No mesmo dia, o corpo de Dayanne da Cunha Januário da Silva, de 37 anos, foi encontrado em Brazlândia após 8 dias de desaparecimento. Os suspeitos são dois homens que tiraram a vida da técnica de enfermagem por causa de uma cobrança de dívida.

No dia 2 de agosto, a Polícia Civil prendeu o suspeito de assassinar a mulher transexual Isabella Yanka, de 20 anos, no dia 30 de julho. O próprio delegado responsável pelo caso classificou o crime como brutal. O motivo, segundo ele, foi fútil. O suspeito que não teve nome revelado disse à polícia que teria se sentido ameaçado pela mulher.

Esses são apenas os últimos casos de mortes violentas de mulheres registrados no Distrito Federal (DF) nos últimos dias, totalizando, segundo levantamento do BdF, 11 feminicídios em sete meses.

Dados oficiais

Defasados, os dados da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP) dão conta de que teriam sido registrados apenas nove feminicídios em sete meses – 47% a menos, segundo a SSP, que em 2021, quando foram registrados 17 casos no mesmo período.

Para Cleide Oliveira Lemos, ativista integrante do Levante Feminista Contra o Feminícidio, as estatísticas, por si só, não são os melhores índices para retratar a realidade da violência contra a mulher no DF. Segundo ela, a redução no número de casos pode estar relacionada a um caráter sazonal dos casos de violência.

“Para além da subnotificação, é importante ressaltar que a violência doméstica ocorre em maior quantidade em determinados meses do ano e até em dias e horários específicos da semana. O mês de julho, por exemplo, é um mês de muita violência. Então podemos esperar um aumento no número de casos”, alerta.

Lemos também chama a atenção para o fato de que muitos casos não são classificados pela polícia como feminicídio. “Muitos casos não recebem essa qualificação. No ano passado, por exemplo, tivemos dois casos de mulheres trans e o assassinato de uma idosa morta por um parente que não foram registrados pela polícia como feminicídio”.

Para Rita Andrade, do Levante Feminista Contra o Feminicídio, a redução nos números, tanto de assassinatos de mulheres, quanto de violência doméstica, não representa a realidade do DF. “Nós temos um número enorme de mulheres, principalmente nas periferias, em situação de opressão e menos condições de realizarem sequer denúncias. Às vezes a mulher não tem condição de pegar um ônibus para ir até uma delegacia”, alerta.

Violência doméstica

Os registros oficiais do GDF também dão conta de uma redução de 4,6% nos registros de ocorrências de violência doméstica no DF. Nos três primeiros meses deste ano, teriam sido registradas 3.916 denúncias, contra 4.105 no mesmo período do ano passado.

Entramos em contato com a Secretaria da Mulher do DF que informou que “os dados são repassados pela Secretaria de Segurança Pública e também estão disponíveis no Painel do Feminicídio”, que também só reúne dados do primeiro trimestre.

Mais uma vez, cobramos da SSP quando, enfim, os registros serão atualizados, mas não obtivemos resposta.

“Esse dado não significa nada porque existe uma variação. O que é importante notar é que de 2015 para cá o número de violência doméstica só aumenta, passando de 13.800 casos naquele ano para 16.300 em 2021”, analisa Lemos.

Na análise dos dados disponíveis, é possível notar que a maioria dos casos, 69,90%, são de violência moral ou psicológica; em seguida aparecem denúncias de agressão física, 32,70% dos casos. A violência patrimonial aparece em terceiro lugar com 26,71% das ocorrências. Crimes de outras naturezas e violência sexual registraram no primeiro trimestre 50% e 1,75%, respectivamente.

Na maior parte das ocorrências, os diferentes tipos de violência acontecem de modo conjunto. As estatísticas indicam ainda que os casos acontecem principalmente aos finais de semana, com 38% de participação do total. O período do dia de maior incidência é o noturno – cerca de 38% dos casos ocorrem dentro de casa entre 18h e meia noite.

Ações

 A reportagem questionou o GDF a respeito das ações de proteção e acolhimento às mulheres. A SSP destacou principalmente soluções tecnológicas, como o monitoramento em tempo real da vítima e agressor, para evitar aproximação, um dispositivo que alerta a mulher em caso de agressão e que pode ser acionado em caso de perigo; o uso de tornozeleira eletrônica no agressor e um dispositivo semelhante a um celular que, quando acionado, informa a localização em tempo real.

Mas, para Rita, a simples implementação de soluções tecnológicas não resolve o problema. “Não basta que eu tenha um dispositivo, aplicativo ou o que seja, e quando a mulher liga no 180 ela não tem atendimento e continua vulnerável. Sem essa rede funcionando a mulher fica ainda mais vulnerável após uma denúncia porque ela fica suscetível que o seu agressor fique sabendo disso e sofra, ela e seus filhos, ainda mais violência. Então, esses dados que o GDF apresenta devem ser analisados não somente do ponto de vista das denúncias realizadas, mas diante de toda essa crise humanitária que estamos vivendo”, criticou.

“Eu não tenho notícia de nenhum programa, seja distrital ou federal, de combate e enfrentamento à violência que possa estar causando uma redução significativa nos casos de violência contra mulheres”, concordou Lemos.

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Edição: Flávia Quirino