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Coluna

O assassinato de Marcelo Arruda, a pólis e o domos

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"Marcelo foi vítima do ódio, da intolerância, mas foi também vítima do obscurantismo e da negação da educação" - Foto: Reprodução Facebook
Crimes como o de Foz do Iguaçu demonstram a importância do papel e da função social da escola

Se ainda havia alguma dúvida de que as eleições de 2022 serão difíceis, radicalizadas (e não polarizadas), violentas e intolerantes, o dia 9 de julho deixou bem claro como vai ser a toada nos próximos meses.

O assassinato de Marcelo Arruda durante a comemoração de seu aniversário é uma frondosa árvore do Mal e da Intolerância que foi semeada, regada e fertilizada por anos a fio por vários setores da sociedade: partidos políticos, imprensa tradicional, elite são apenas alguns. O bolsonarismo foi o último desses setores da sociedade a incentivar o ódio e a intolerância, e já pegou a árvore crescidinha.

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Muito já foi dito sobre o crime (tragédias são inevitáveis; crimes são evitáveis) de Foz do Iguaçu, mas ainda há algo a se ressaltar: a importância e o papel da escola em apresentar o diferente, o discordante, e mostrar como compreendê-lo ou, ao menos, respeitá-lo.

O papel social da escola na formação de cidadãos

Numa conjuntura em que muitos buscam transformar a escola em demônio a ser combatido e desacreditado, crimes como o de Foz do Iguaçu demonstram a importância do papel e da função social da escola.

O diálogo e o debate fazem parte do currículo escolar. Estão previstos em várias normas e diretrizes, nacionais e distritais. Fazem parte da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), do Plano Nacional de Educação e também do Plano Distrital de Educação.

É, portanto, papel do(a) professor(a) promover discussões e debates entre os estudantes, justamente para que estes aprendam a dialogar, discutir e ponderar pontos de vista. É papel desse(a) profissional mostrar à turma as diferentes opiniões e diferentes pontos de vista. E é esse(a) profissional que é censurado, silenciado, calado e tolhido em seu papel socializador pelo movimento Escola sem Partido e pela Lei da Mordaça, que supostamente defendem uma utópica “neutralidade ideológica”.

Durante os debates de temas considerados tabus, são esses(as) profissionais que ensinam o seu filho e sua filha a ouvir o diferente, e dialogar com ele.

Político X doméstico

Política vem de duas palavras gregas: pólis (a cidade) e tikós (assuntos, coisas, temas). Significa, portanto, os assuntos, temas e discussões a serem travados no/sobre o ambiente da cidade, no/sobre o ambiente público. Político se contrapõe a doméstico, que também se origina em duas palavras gregas, domos (o lar, a casa, a residência) e a mesma tikós que compõe a etimologia de “política”. Trata-se, então, de assuntos de âmbito particular, pessoal, privativo.

Marcelo Arruda estava em ambiente doméstico quando foi politicamente atacado. Isso, sim, é inadequado. Muito inadequado.

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O que se aprende no ambiente doméstico é diferente do que se aprende no ambiente político. Assim nos ensinaram os gregos, e assim apreendemos dos pais da Democracia essa importante lição.

É, portanto, num ambiente socializador de sala de aula (e não em homeschooling) que os e as jovens aprendem o processo de diálogo e respeito para com o outro. É essa a ideologia que o Sinpro defende: a formação de cidadãos e cidadãs abertos(as) ao diálogo, à experiência crítica, à compreensão do diferente, à tolerância com o outro.

Então, é papel da escola, sim, apresentar várias ideias e pontos de vista diferentes, em temas que são tabus ou não. Trata-se de trabalho e processo de civilização de cidadãos e cidadãs. Trata-se da Educação para a Cidadania.

Porque jovem criado em redoma, exposto a apenas uma visão de mundo, será adulto parcial, incompetente e inacessível ao diálogo. Será um adulto propenso ao ódio, à intolerância, e favorável ao extermínio do diferente – que, diga-se, é uma das bases da ideologia de destruição do fascismo e do nazismo, como nós todos aprendemos (ou deveríamos ter aprendido) na escola.

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Marcelo foi vítima do ódio, da intolerância, mas foi também vítima do obscurantismo e da negação da educação e da instrução que a escola, e somente a escola, pode oferecer a um cidadão. Instrução essa que, em casos extremos como o deste fim de semana, evita que famílias sofram.

A diretoria colegiada do Sinpro se solidariza com a dor e com o luto da família de Marcelo, com os companheiros do Sindicato dos Servidores municipais de Foz do Iguaçu, bem como todos os companheiros do Partidos dos Trabalhadores do Paraná e do setorial estadual de segurança pública do PT-PR.

Marcelo Arruda, PRESENTE!

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*Por Berenice Darc é diretora do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores(as) em Educação (CNTE).

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Flávia Quirino