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Brasília, 62!

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Memorial JK, Brasília - Foto: Andre Borges/Agência Brasília
Que voltemos a ser a síntese do Brasil em seus aspectos positivos

Juscelino Kubitschek, com a impressionante sagacidade política que lhe era própria, pensou em dar alicerce institucional e legal à defesa e à preservação de Brasília desde seu nascedouro.

Menos de dois meses após a inauguração da Nova Capital, JK dirigiu mensagem, de próprio punho, ao amigo Rodrigo Melo Franco de Andrade, então presidente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional:

“Rodrigo

A única defesa para Brasília está na preservação do seu plano piloto.

Pensei que o tombamento do mesmo poderia constituir elemento seguro, superior à lei que está no Congresso e sobre cuja aprovação tenho dúvidas.

Peço-lhe a fineza de estudar esta possibilidade, ainda que forçando um pouco a interpretação do Patrimônio.

Considero indispensável uma barreira às arremetidas demolidoras que já se anunciam vigorosas.

Grato pela atenção.

Abraços

Juscelino

Brasília 15–6-60”

O Presidente Juscelino foi profético.

Anteviu as sucessivas investidas da elite do atraso e da “grana que ergue e destrói coisas belas” (salve Caetano!) sobre Brasília – matéria e símbolo: matéria viva da mais moderna e arrojada tecnologia; símbolo da utopia e da vanguarda do pensamento. Sonho concreto de um Brasil melhor, feliz, democrático, menos desigual.

Poucos anos depois, o desejo de JK se concretizou. Ganhamos um Decreto de Preservação e, em 7 de dezembro de 1987, nossa cidade foi declarada Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em decisão unânime do comitê de avaliação, sendo definitivamente inscrita na listagem oficial em 11 de dezembro do mesmo ano, por contemplar os critérios (i) e (iv) da Convenção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural:

(i) representar uma obra-prima do gênio criativo humano;

(iv) ser um exemplo excepcional de um tipo de edifício ou de conjunto arquitetônico ou tecnológico, ou de paisagem que ilustre uma ou várias etapas significativas da história da humanidade.

Brasília foi o primeiro bem urbano contemporâneo de sua categoria que recebeu tal honraria, com a maior área tombada do mundo, 112,25 km².

Poucos anos depois, a proteção foi ratificada no plano federal. Uma saga que merece ser aprofundada em outro artigo, pois também envolve personagens fabulosos e os estudos decisivos do GT Brasília, grupo de trabalho criado oficialmente em 1981 para propor e adotar medidas destinadas à preservação do nosso patrimônio histórico e cultural.

Somos o berço das águas do Brasil e estamos no coração da Reserva da Biosfera do Cerrado (RBC), distinção mundial que ostentamos desde 1993, outorgada pela UNESCO, por decisão do Conselho Internacional de Coordenação do Programa Homem e a Biosfera. Encontra-se na RBC uma área do Distrito Federal de aproximadamente 230.000 hectares, o que representa 40% de nosso território.

Essa é uma história que vem de longe, desde a Missão Cruls, que em 2022 completa 130 anos. O Relatório Cruls, hoje considerado o primeiro estudo de impacto ambiental do mundo, apresenta descrições minuciosas e dados de precisão milimétrica sobre nossas riquezas naturais e culturais. Um tratado científico-poético que espelha o olhar de deslumbramento dos componentes da Missão com a paisagem descortinada – terra, céu e gente.

Somem-se a tudo isso as manifestações culturais, celebrações, lugares e saberes que compõem o nosso rico patrimônio imaterial. Do chorinho ao rock brasiliense, das festas do Boi do Seu Teodoro ao Festival de Cinema de Brasília, das raizeiras ao ideário pedagógico de Anísio Teixeira.

Ainda assim, apesar do considerável arcabouço - local, nacional e mundial - de proteção e de reconhecimento de que dispomos, o que vemos hoje, infelizmente, é a destruição diária e sistemática de nosso patrimônio, material, imaterial e natural, da nossa história, enfim.

Exemplos não faltam, basta citar os mais recentes: a destruição do complexo esportivo formado pelas piscinas do DEFER e pelo ginásio Claudio Coutinho; a ameaça de construção de bairros sobre áreas de nascentes e de formações raras de Cerrado, como a expansão do Taquari; a descaracterização do Parque da Cidade para construção de viadutos; o descaso com importantes acervos artísticos; o abandono dos monumentos; a falta de políticas públicas e de orçamento para a cultura; além do desmonte dos sistemas de Saúde e de Educação Públicas, também concebidos nos primórdios da Capital como referência para todo o país.

Há método e intenção nesse apagamento da memória, no esfacelamento do coletivo, do bem comum, da qualidade de vida. O governador local, parceiro de primeira hora do bando que tomou de assalto o Palácio do Planalto, está alinhado com tudo o que há de mais atrasado no Brasil, em todos os sentidos. Brasília foi colocada à venda: somos reféns do mercado imobiliário e de investidores privatistas. Escolas militarizadas, saúde aos frangalhos.

O ano de 2022 marca não só os 62 anos de Brasília, mas também os 60 anos da Universidade de Brasília, os 100 anos da Pedra Fundamental de Planaltina, os 130 anos da Missão Cruls. Que essa conjunção de aniversários tão importantes nos inspire a recuperar os rumos, por meio da escolha consciente de nossos representantes!

Que voltemos a ser a síntese do Brasil em seus aspectos positivos, que nossa força criativa latente volte a dar de comer à cultura universal, como tanto desejaram os idealizadores da Capital do novo milênio!

Feliz Aniversário, querida Brasília!

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*Arlete Sampaio é deputada distrital pelo PT-DF

* Gabriel Magno, é secretário de Assuntos Jurídicos e Legislativos da CNTE

**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa  a linha do editorial  do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Flávia Quirino