Distrito Federal

Coluna

No aniversário de Brasília, eu gostaria de falar de teatro e de Hugo Rodas

Imagem de perfil do Colunistaesd
Uruguaio radicado no Brasil, Hugo Rodar era diretor de teatro e morava na capital desde 1975. Faleceu no dia 13 de abril deste ano, aos 82 anos. - Foto: Arquivo Pessoal
Hugo Rodas nos fez menos caretas e melhores!

Brasília nasceu de um sonho de Dom Bosco, um desejo de Niemeyer e Lúcio Costa e de uma visão política e econômica de JK para acelerar o “progresso” do país.

Como toda terra invadida, destruiu o meio ambiente e afastou as populações indígenas que aqui circulavam. Nasce coerente com a história da ocupação das terras neste país. E é nesse cerrado biodiverso, talvez o mais rico da fauna e flora do Brasil, que se cruzam os primeiros traçados da cidade. Estes já evocam nossa fraqueza moral: uma cruz ou um avião? Religião ou ciência, entre luz e escuridão, entre a justiça e as desigualdades.

Logo nos primeiros momentos, os que por aqui vieram trouxeram uma enorme energia criativa, acreditaram no novo. De Niemeyer, Lúcio Costa e JK aos operários que a este lugar dedicaram suas vidas, a maioria deles sem nenhuma compensação. Dos governos e seus asseclas que chegam e se vão, de tempos em tempos, invadindo a cidade até hoje com seus sotaques e comportamentos diversos, às vezes horripilantes.

Da Brasília que conheci na inauguração, cheia de sonhos de igualdade, para aquela que serviu à ditadura militar sem nenhuma vergonha. Que recebeu as diferentes raças e que imediatamente criou o apartheid social típico deste país, negros e pobres para a periferia e os brancos no Plano Piloto, onde moram todos os poderes.

Toda essa história é cenário da diversa cultura da cidade. De Athos Bulcão que azuleja quase todos os edifícios da cidade, além de sua potente obra, preservada pela Fundação Athos Bulcão nas mãos de Valéria Cabral, aos grupos de rock nos anos 80, como o Legião Urbana do Renato Russo; ao Clube de Choro e sua escola; aos grandes artistas de rap da periferia, tais como Gog, Câmbio Negro, Viela 17; cantores e compositores brilhantes como Ellen Oléria, Flora Matos, Renato Matos, entre outros, que ganharam dimensão nacional e internacional.

Brasília, das artes plásticas, com nomes como Ralph Gehre, Glenio Bianchetti, Gê Orthof, João Angeli, Valéria Pena Costa, Suyan de Mattos, Raquel Nava, Yana Tamayo, Luciana Paiva, Fernando Madeira. Do cinema, com Vladimir Carvalho, Iberê Carvalho, Gloria Teixeira, Bruno Torres. Da dança, com Asas e Eixos da Yara de Cunto, do Grupo Endança de Luiz Mendonça e Márcia Duarte, da Norma Lilia e Lúcia Toller, companhia baSiraH e assim vai. Sei que esquecerei muitos nomes. Me perdoem!

Mas, eu gostaria é de falar do teatro! Lugar onde cresci desde que aportei nessa terra, ainda criança, pelas mãos de meu pai e minha mãe. Ele jornalista e ela servidora pública e participou dos primeiros grupos de teatro desta cidade nos idos de 60. Com Silvia Orthof e Murilo Eckhart, faziam teatro para crianças no auditório da TV Brasília.

Laís Aderne, professora, diretora de teatro e pensadora da cultura, a primeira secretária de cultura do DF, formou a primeira geração de artistas dessa cidade. Tivemos o privilégio de participar de seus processos criativos e pedagógicos. E tantos que somos: Dimer Monteiro, Humberto Pedrancinni, João Antonio Esteves, Dácio Lima, Alexandre Ribondi, Gê Martu.

A grande Dulcina de Moraes que fundou uma Faculdade de Teatro e que forma gerações de atores e atrizes. Nomes como André Amaro, Françoise Forton, Dora Gorovitz, B. de Paiva, Irmãos Guimarães, entre tantos vinculados a essa escola.

Outros tantos atores e atrizes que vieram de outras formações Bidô Galvão, Carmem Moretzsohn, Murilo Grossi, Fernando Villar, Denise Milfont, Adriano Siri, Solange Cianni, e segue uma lista infinita. Guilherme Reis, ator e produtor de um dos festivais internacionais de teatro mais importantes do país, o Cena Contemporânea.

Entretanto, nenhuma pessoa foi tão transformadora, revolucionária, agregadora, um verdadeiro terremoto no teatro, como Hugo Rodas. Juntou todas as gerações de atores e atrizes desde os anos 70 e se reenergizava junto às novas gerações. 

Respirou esse ar do Planalto Central profundamente, capturou o céu-mar-azul e teceu traçados cenográficos e narrativas dramáticas inspirados nas asas e eixos dessa cidade, sua cidade elegida. Nos fez menos caretas e melhores!

Escolheu esse território para o exercício de seu amor. E o fez com dedicação, cuidado e, acima de tudo, com um compromisso inadiável com a vida e a liberdade criativa. 

Sou hoje, essa mulher, atriz, ativista e antropóloga forjada nesta cidade e atravessada por essas tantas pessoas a quem dedico essas poucas palavras de amor! Feliz Aniversário, Brasília!

:: Leia outros textos deste colunista ::

*Iara Pietricovsky é atriz, antropóloga e integrante do colegiado de gestão do Inesc.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato DF no seu Whatsapp ::

Edição: Flávia Quirino