Distrito Federal

Desumanidade

Assassinato do indígena Galdino, em Brasília, completa 25 anos nesta quarta (20)

Desde 1997 até 2021, mais de 1,6 mil indígenas foram vítimas de homicídio no Brasil

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Manifestante cola cartaz em ponto de ônibus onde o indígena Galdino Pataxó foi queimado vivo, em 1997, por cinco jovens de classe média alta de Brasília - Reprodução

Era madrugada de domingo, 20 de abril, quando cinco amigos estacionaram o carro nas proximidades de uma parada de ônibus, na avenida W3, altura da 503 Sul, região central de Brasília.

Sobre o banco de cimento do ponto de ônibus, o indígena da etnia Pataxó Hã-Hã-Hãe Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, dormia após não ter conseguido entrar na pensão onde estava hospedado, que tinha horário de fechamento noturno. Ele passara o dia anterior envolvido nas atividades que marcam a data de 19 de abril, quando é celebrado o dia dos povos indígenas.

Por volta das 5h30, depois de retornarem da balada, Max Rogério Alves (19 anos), Eron Clóvis Oliveira (18 anos), Antônio Novely Cardoso Vilanova (19 anos), Thomas Oliveira de Almeida (19) e Gutemberg Nader de Almeida (então com 16 anos) jogaram produto inflamável sobre o corpo do indígena e atearam fogo em seguida. As chamas tomaram fortes proporções e os jovens fugiram do da cena do crime. Na época, testemunhas conseguiram anotar a placa do veículo conduzido por eles.

Galdino teve 95% do corpo queimado, a maior parte com queimaduras de terceiro grau, que são as mais graves possíveis. Depois de lutar pela vida por um dia, internado no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), referência em queimaduras, o cacique não resistiu. O crime chocou a cidade e o país. O velório, ocorrido no município baiano de Pau Brasil, reuniu autoridades.

Em seus depoimentos à Justiça, os criminosos, jovens de classe média alta de Brasília, disseram que o objetivo era "dar um susto" em Galdino e fazer uma "brincadeira" para que ele se levantasse e corresse atrás deles. Um dos rapazes disse à imprensa que ele e seus amigos haviam achado que Galdino "era um mendigo" e que, por isso, cometeram o crime.

Mesmo os autores do crime, com idade acima de 18 anos, terem sido condenados a penas de até 14 anos de prisão, nenhum deles ficou muitos anos preso. Na atualidade, cinco deles estão na elite do funcionalismo público, com altos salários. No ano passado, o Brasil de Fato mostrou com exclusividade que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) designou um dos cinco condenados por matar Galdino, para um cargo comissionado na Polícia Rodoviária Federal.

:: 25 anos da morte de Galdino: assassinos recebem mais de R$ 15 mil como servidores públicos ::

"Essa morte vai ficar na nossa memória pro resto da vida. Como esse fato ocorreu um dia após o dia do índio, que normalmente é uma data de celebração, o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe deixou de ter este dia como dia de festa, porque logo vem a lembrança dele. O Galdino estava em Brasília, na época, lutando para que a demarcação da nossa terra fosse oficializada, havia entraves jurídicos ainda", Wilson Jesus de Sousa, o Ninho Pataxó, sobrinho de Galdino. 

No fim, a luta de Galdino não foi em vão. A reserva onde vive seu povo, a Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu, conseguiu se desvencilhar de todos os entraves jurídicos e hoje é livre de invasores. "Isso foi graças ao trabalho do Galdino lá atrás".

Na aldeia, ainda vivem a ex-mulher e três filhas de Galdino. "Quando ele faleceu, as filhas ficaram com a mãe, ainda crianças, um período difícil. Atualmente, todas elas têm seus filhos e algumas são até avós. Galdino tem muitos netos e até bisnetos", conta Ninho.

Violência sistemática

Antes e após a morte de Galdino, a violência contra povos indígenas nunca deu trégua. Nesses últimos 25 anos, foram 1.602 indígena assassinados no país, além de centenas de casos de agressões, violência sexual, invasões de terras e conflitos. Os números constam nos Relatórios Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

A edição mais recente deste relatório, que abarca os dados de 2020, mostram um cenário de barbárie. Foram 182 assassinatos de indígenas naquele ano, número 61% maior do que os 113 homicídios de 2019. Trata-se do maior número registrado nos relatório do Cimi desde que eles começaram a ser divulgados, no início dos anos 1990. Também houve 110 casos de suicídio em 2020. 

Outro apontamento do relatório diz que 201 terras indígenas e 145 etnias espalhadas por 19 estados foram alvos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio em 2020. No total, houve registro de 263 violações do tipo. 

Resistência

Na semana passada, chegou ao fim, em Brasília, a 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena da história do país. Foram cerca de oito mil indígenas de 200 povos, que se reuniram na capital brasileira entre os dias 4 e 14 de abril. A programação envolveu assembleias, rodas de conversa e protestos nas proximidades do Congresso Nacional.


A demarcação de terras indígenas foi uma das principais reivindicações da 18ª edição do ATL. / Foto: Kauê Teren

O documento final foi divulgado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organizadora do evento, traz propostas para “reconstruir” o país.

No texto, o movimento indígena descreve que, como nos tempos da invasão colonial, atualmente há “um declarado plano de morte, etnocídio, ecocídio e genocídio nunca visto nos últimos 34 anos de democracia” no Brasil.  

:: Documento final do Acampamento Terra Livre 2022 traz propostas e demandas dos povos indígenas ::

“Bolsonaro, desde sua campanha eleitoral e já no primeiro dia de seu mandato, proferiu discursos racistas e de ódio contra os povos indígenas, elegendo-nos como inimigos preferenciais”, aponta o texto.

Os povos indígenas enumeram as diversas ameaças em curso, como os Projetos de Lei (PL) 490/2007 (do marco temporal), 191/2020 (autoriza mineração em terras indígenas), 6299/2002 (flexibiliza o uso de agrotóxicos), 2159/2021 (afrouxa necessidade de licenciamento ambiental) e os PLs 2633/2020 e 510/2021, que permitem a grilagem de terras públicas.  

:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato DF no seu Whatsapp ::

Edição: Flávia Quirino