"agora ou nunca"

Incerto sobre reeleição, Bolsonaro apressa "boiadas" antiambientais no Congresso, diz entidade

Ruralistas aproveitam apoio do Executivo e do Legislativo e tentam facilitar grilagem, mineração e uso de agrotóxicos

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |

Ouça o áudio:

Bolsonaro e Lira, presidente da Câmara, na sessão de abertura do Legislativo em fevereiro deste ano - Sergio Lima/AFP

A nove meses para o término do mandato, Jair Bolsonaro (PL) promove uma corrida antiambiental aliado ao Congresso Nacional. Estão em tramitação projetos de lei com o poder de fragilizar ainda mais a política para o setor, cujo desmonte já vem gerando recordes de desmatamento nos biomas brasileiros.

Continua após publicidade

A análise é de Márcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima (OC), que fala em nome de 70 ONGs ambientais. “É uma espécie de 'agora ou nunca' que se instalou por todo o Brasil, onde se derrubam árvores nas florestas e leis no Congresso a toque de caixa”, afirmou.

Na reta final de Bolsonaro na presidência, o lobby ruralista vê a última oportunidade de favorecer a grilagem, afrouxar o licenciamento ambiental, liberar ainda mais o uso de agrotóxicos e abrir terras indígenas ao agronegócio e à mineração; projetos que já estavam na agenda legislativa prioritária do governo federal, anunciada em fevereiro. 

:: Desmatamento anual da Amazônia dispara 29% e é o pior da última década, diz Instituto ::

Conheça os principais projetos de lei:

Mineração em Terras indígenas. O PL 191/2020 é considerado inconstitucional pelo Ministério Público Federal (MPF) e foi impulsionado por Bolsonaro com a justificativa do conflito na Ucrânia, que ameaça a importação de fertilizantes agrícolas. A iniciativa autoriza mineração e construção de hidrelétricas em terras indígenas, inclusive onde há grupos isolados, bem como legaliza garimpos. 

Marco Temporal das terras indígenas. O PL490/2007 institui via Legislativo um critério temporal elaborado por ruralistas para definir quais indígenas podem ou não ter direito à terra. Transfere, ainda, a competência de demarcar terras indígenas do Executivo para o Legislativo. 

Pacote do Veneno. O PL 6.299/2022 tramita no Senado e flexibiliza ainda mais a aprovação e o uso de agrotóxicos no país, transferindo do Ibama e da Anvisa para o Ministério da Agricultura a competência de liberar novos produtos e viabilizando a entrada de substâncias cancerígenas.

Liberação da Grilagem. o PL 510/2021 dá anistia e cria mecanismos que estimulam a continuidade de invasões de terras públicas e do desmatamento. A grilagem é o principal motor do desmatamento no país e, segundo o OC, é responsável por 46% de todas as emissões brasileiras de gases do efeito estufa. 

Fim do licenciamento ambiental. PL 2159/2021 (antigo PL 3729/2004) também tramita no Senado e torna o licenciamento ambiental uma exceção, em vez de regra. Também facilita o "licenciamento autodeclaratório" e expande a lista de atividades que não precisam de autorização prévia.

"Boiadas" não são mais infralegais

Sob Bolsonaro, ambientalistas e pesquisadores dizem que não é exagero classificar o mandato de Jair Bolsonaro como o período de maior retrocesso ambiental da história do Brasil. 

Boa parte do estrago, porém, foi feito sem a aprovação de leis, com medidas infralegais – como portarias e regramentos internos – que enfraqueceram o financiamento e a capacidade de operação de órgãos como Funai, Ibama, ICMBio e Polícia Federal. “O congelamento do Fundo Amazônico, por exemplo, é algo que faz muita falta para as polícias locais poderem atuar”, acrescenta Astrini. 

“A eleição de Arthur Lira abriu a possibilidade de os retrocessos que existiam só no Executivo serem realizados também no Legislativo. Então, uma série de propostas antiambientais começaram a tramitar naquela casa em ritmo acelerado, transformando a situação que já estava ruim em uma ainda pior”, afirma o coordenador do Observatório do Clima. 

:: Com Bolsonaro, política ambiental chegou ao "fundo do poço", diz ex-presidente do Ibama ::

Mobilizações 

Por outro lado, o Congresso enfrenta pressão da sociedade civil, incluindo os povos indígenas, afetados em cheio pela agenda legislativa do governo federal. 

O Ato Pela Terra, por exemplo, convocado pelo cantor e compositor Caetano Veloso, reuniu milhares de manifestantes em frente ao Congresso Nacional, contra o "pacote da destruição" ambiental que tramita no Legislativo. 

A partir de 4 de abril, indígenas de todo o país irão à capital federal no 18º Acampamento Terra Livre (ATL), tradicional mobilização dos povos originários brasileiros. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) prevê a participação de 8 mil indígenas. 

“Estamos em um ano eleitoral e, para iniciar nossa jornada de lutas, declaramos o último ano do governo genocida”, diz em nota a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que organiza o evento. 

:: Maior mobilização indígena do país, Acampamento Terra Livre mira contra os "projetos de morte" ::

STF agenda "pauta verde"

Alvo de críticas frequentes de Bolsonaro, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reservaram a pauta do dia 30 de março para julgar sete ações decisivas que pedem a reversão de medidas contra o meio ambiente, tomadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).

O principal item da pauta é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760, que pede a retomada do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAm) pelo governo federal.

:: STF marca para dia 30 julgamento de sete ações contra desmonte da política ambiental ::

Para o mesmo dia, o ministro do STF Luiz Fux agendou a análise de ações que pedem o fortalecimento da fiscalização do Ibama, aumentam o financiamento do Fundo Amazônia e classificam como inconstitucional a omissão do presidente Bolsonaro diante da escalada de devastação ambiental. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho