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Moradia

Despejo zero: movimentos populares lutam pelo direito à moradia com crise econômica e pandemia

Ato no dia 17 reunirá movimentos do campo e da cidade para que seja estendida lei que suspende despejos e remoções

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Nas ocupações e nos bairros mais pobres as pessoas, sem renda, correm o risco de ficarem também sem casa se voltarem os despejos - Giorgia Prates

Com a pandemia e as políticas econômicas do governo Bolsonaro, que levaram o país à crise, e alta nos aluguéis (aumento médio de 17% em 2021), mais de 21 mil famílias foram despejadas ou removidas de seus lares, de acordo com dados da Campanha Despejo Zero. Aumento de 340% comparado ao mesmo período de 2020. Só no Paraná foram mais de 1.600. 

Para dar segurança e proteção social aos mais vulneráveis, no Brasil foi votada lei que proibiu despejos e remoções forçadas até o dia 31 de março deste ano. Como esse período está acabando, movimentos populares e de moradia no campo e na cidade farão manifestações, no próximo dia 17, para pressionar o Supremo Tribunal Federal a manter os efeitos da lei. Ativistas de movimentos de moradia e membros da campanha avaliam que caso a medida não seja mantida, milhares de mães e pais de família perderão suas casas por não terem condições de pagar o aluguel. 

De acordo com Marina dos Santos, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a crescente onda de despejos no Brasil é provocada por fatores políticos e estruturais. “Estamos vivendo num momento de pandemia e aumento da fome. E estamos com esse governo neofascista, que privilegia os mais ricos e deixa os pobres e miseráveis à míngua”, afirmou em entrevista ao Portal do Movimento. 

“É uma vergonha que, em vez de o governo se preocupar em garantir casa para o povo morar, terra para o povo produzir, emprego e renda, comida e vacina, para evitar contaminação e mortes pela Covid-19, esse governo aumenta o preço da gasolina, o preço da comida e o número de despejos e remoções. Além disso, se presta ainda ao desserviço de fazer disputas ideológicas com mentiras descaradas para o nosso povo em todos os lugares do Brasil”, complementa Marina. Para ela, esse é um momento em que o povo brasileiro precisa de “sabedoria para resistir frente às políticas que estão sendo realizadas ao povo e resistir, principalmente, para continuar vivo”, destaca. 

A Campanha Despejo Zero é uma articulação nacional que reúne mais de 100 organizações, incluído o MST, para atuar na luta contra os despejos e remoções forçadas de famílias de seu local de moradia. Lançada em julho de 2020, durante o primeiro ano da pandemia da Covid-19, a campanha tem como objetivo ser um instrumento de denúncia acerca desse problema estrutural das cidades e no campo brasileiro. 


População corre risco de ficar sem moradia / Giorgia Prates

Lei antidespejo e a pandemia 

Aprovada pelo Congresso, a lei que proíbe despejos foi vetada por Bolsonaro. Mas o Congresso derrubou o veto e a lei valeria até o fim de 2021, o que foi postergado para 31 de março por decisão do Supremo Tribunal Federal. O projeto suspende os despejos em virtude do não pagamento de aluguel de imóveis comerciais, de até R$ 1,2 mil, e residenciais, de até R$ 600. Ainda suspende os atos praticados desde o dia 20 de março de 2020, com exceção dos já concluídos. Também dispensa o locatário do pagamento de multa em caso de encerramento de locação de imóvel decorrente de comprovada perda de capacidade econômica que inviabilize o cumprimento contratual. 

Daisy Ribeiro, assessora jurídica na Terra de Direitos, integrante do GT Jurídico Nacional da Campanha Despejo Zero, explica que, apesar da queda nos casos de Covid-19 e o avanço da vacinação, a pandemia ainda continua no Brasil. Com o cenário de crise econômica, para dar proteção a famílias mais vulneráveis, a lei precisaria ser estendida. “A pandemia não acabou, e aqui o importante é verificar, e isso é central para a campanha, que precisamos identificar as diferenças regionais e territórios no Brasil. Há lugares em que a vacinação ainda não avançou, ou em que a estrutura hospitalar não consegue dar conta de atender às pessoas infectadas ou que sofrem com as sequelas da doença, tendo que arcar com custos de medicamentos para tratar da Covid longa, o que impacta no bolso de quem precisa pagar aluguel”, explica.  

Daisy ainda cita o impacto do avanço da Covid em territórios onde há maior quantidade de famílias vulneráveis. “Estudo recente do instituto Pólis aponta para a correlação em que em áreas que famílias pobres sofreram despejos, ou chefiada por pessoas pretas ou em vulnerabilidade, a Covid infectou muito mais. São cenários complexos, inclusive vários profissionais da Medicina apontam que o cenário pós-Carnaval também pode se alterar, já que ocorreram aglomerações.” Além do fator sanitário, a crise econômica e a ausência ou diminuição de políticas públicas de moradia apontam para a necessidade de que o STF amplie os efeitos da lei, diz Daisy. “A gente vê um aumento absurdo do desemprego e da inflação, do preço dos aluguéis, do gás, dos alimentos, e isso faz com que as famílias fiquem absolutamente impossibilitadas de pagar um aluguel. Vemos também a diminuição de políticas de reforma agrária, que afetam famílias do campo. Por isso é necessário que o STF atue na defesa dos direitos à moradia e no acesso à terra, entendendo que vivemos em um cenário que a população em ocupações coletivas está em situação precária.’’ 

No próximo dia 17 de março, os movimentos que fazem parte da campanha farão manifestações por todo o Brasil pedindo que a Lei do Despejo seja prorrogada e que seja garantida a continuidade da suspensão das remoções e despejos coletivos ou individuais por conta do não pagamento de aluguel. 

Mobilização e conscientização 

Julian Pow, da coordenação do Movimento Popular por Moradia, é também liderança da Comunidade Nova Esperança, em Campo Magro, Região Metropolitana de Curitiba, com cerca de 1.200 famílias. Responsável por diversas outras campanhas na comunidade, entre elas de arrecadação de alimentos e quentinhas, fala da importância da organização popular para que as pessoas possam se organizar em busca de seus direitos.  

“Aliar a capacidade de mobilização para dentro da pauta em defesa dos direitos à moradia é importante para a manutenção de direitos. As ocupações sempre vão ocorrer e vão se expandido, e as pessoas que se encontram nessa condição como alternativa para buscar um terreno ou uma casa muitas vezes não têm cobertura jurídica e apoio político, então quando elas sofrem com uma ação do estado uma ação de despejo é tudo muito rápido’’, explica. 

Edição: Frédi Vasconcelos