Distrito Federal

Coluna

O drama do transporte público na capital do Brasil

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A tarifa de ônibus no DF é uma das mais caras do Brasil - Pedro Ventura/Agência Brasília
É um espetáculo de horror. Quem sofre com essa tragédia? A população mais vulnerável: trabalhadores

Sou uma usuária assídua do transporte público do Distrito Federal desde que nasci. Meu primeiro rolê na vida eu fiz de busão. Sério! Na ida da maternidade para casa meus pais foram de baú.  – HEHEHE- Pode rir, mas ri com empatia. No Ensino Médio, estudava no Plano Piloto, longe pacas de casa.

 Todos os dias levantava cedaço e fazia o percurso: Samambaia – W3 Sul. Quando fui trabalhar, igual. Na faculdade, igual. Era 373.2 e 110 lotado pra ir e voltar todos os dias. 

Então, sim, sem perdão GDF e empresas de ônibus, tenho propriedade, vivência e lugar de falar para esculachar o transporte público dessa cidade! 

Pegando o bonde da nova tendência que tá rolando nas redes sociais, elenquei 5 CURIOSIDADES (apavorantes) SOBRE O TRANSPORTE PÚBLICO DO DF: 

1. A tarifa de ônibus no DF é uma das mais caras do Brasil;

2. Aqui não tem baú 24h;

3. Não existem linhas diretas para todas as Regiões Administrativas. 

Exemplo: moro em Samambaia, se eu quiser ir para Santa Maria preciso pegar um ônibus até Taguatinga ou Ceilândia ou para o Plano Piloto e lá pegar outro transporte que me leve para Santa Maria. Se deslocar no DF é uma verdadeira odisseia;

4. Pagamos 5,50 para ir em pé, geralmente em ônibus sucateados e lotados;

5. O transporte é público, mas as empresas responsáveis são TODAS privadas. Pensa a grana que o GDF deixa de arrecadar. Agora, pensa nesse dinheiro sendo investido em saúde, educação, cultura... 

Em síntese: é um espetáculo de horror. Quem sofre com essa tragédia? A população mais vulnerável: trabalhadores e estudantes. 

A escritora Carolina Maria de Jesus, em seu livro Quarto de despejo, diz: o Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no próximo. A forma como dona Carolina reflete sobre quem deveria liderar nosso país é a mesma que utilizo quando penso sobre transporte público. 

Parafraseando a autora: o transporte público deveria ser projetado por quem se desloca de baú.

Quem anda de ônibus sabe as horas dos fluxos intensos, sabe que horas os pontos lotam, quantas linhas seriam necessárias para determinados trajetos e as que são desnecessárias e só atrasam. Sabe tudo isso na pele. Sabe de viver.

Quem usa transporte público, com o tempo, adquire um super poder. Sim! Quem cresce pegando baú quando entra num faz logo um reconhecimento de campo, vai olhando na cara de cada um e uma pra marcar qual o melhor assento para ficar de pé e já planeja uma estratégia para sentar o quanto antes.

 Quanto mais tempo de baú cê tem, mais desenvolve a capacidade de saber quem vai descer primeiro. Passa a ler os semblantes e se torna a Jean Gray dos baú. Acho isso fantástico!

A pessoa que tá encostada na janela e  dorme tão profundo que baba, essa vai descer só no terminal. Tenha certeza disso. A que tá com fones de ouvido ou que lê distraída, pode ser que desça antes da Rodoviária, mas quando descer, você terá esperado tanto que suas pernas estarão tão dormentes que talvez nem compense sentar.

As pessoas que pegam o mesmo baú todos os dias, que cumprimentam o motorista e o cobrador e tem amigues que são do baú, essa galera cê não pode nem contar. Eles funcionam como um cartel. Se um deles descer o lugar já é transferido automaticamente para um ou uma sucessora legítima, dentro da lógica do grupo. Mesmo que esta esteja do outro lado do baú e precise atravessar o mar de gente para sentar, o lugar é dela por direito.

Existe um tipo de hierarquia. Recomendo evitar discussões com essa galera. Geralmente, em casos de questionamentos, eles arrumam a maior treta do mundo. Falo por experiência própria. Se tu tretar é capaz deles perderem a viagem, mas você nunca mais sentará antes de descer. – HAHAHA - Já tentei fazer parte de alguns cartéis, mas como não sou boa em fingir achar graça de piadas sem graça, sempre acabei excluída.

Agora, sabe aquela pessoa que o olhar tá concentrado na janela, que geralmente não carrega a mochila/bolsa de ninguém, que senta próximo da porta de descida pra não precisar atravessar a multidão quando for descer? Então, essa pessoa vai descer ali pro meio do caminho. Fica de frente pra ela que é sucesso! Quando você menos esperar ela vai puxar a cordinha para o próximo ponto. 

São muitas as sabedorias e tecnologias criadas por nossa gente.

Somos inventivos e sagazes.

Imagine se o transporte público fosse pensado por quem depende e conhece a dinâmica dele!

A realidade seria muito diferente. E se fossem os nossos a ocupar os espaços de poder? Que potência seria! Como temos poucos dos nossos nos lugares de tomada de decisão e o sistema é pensado por quem desconhece a vivência da maioria da população, a realidade é o martírio de cada dia, não só no transporte público.

*Meimei Bastos é escritora, educadora e produtora cultural. Coordena o ponto de cultura Caracas, véi e o Campeonato de Poesia Falada do DF e Entorno.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Márcia Silva