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Visibilidade trans: ninguém pode calar uma travesti

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Petra - Foto: Marcelo Ribeiro
Que o mundo aprenda com todas as Nany People, Petra, Lina da Quebrada, Urias, Érika Hilton...

Cara amiga,

O meu eu interior que transcende pro externo é imensamente grato por viver, ser e estar com você. Furar nossa bolha de segurança não é algo fácil, deixar nossos privilégios ou conquistas, seja como for, é muito difícil. 

Quando pequeno, ser GLS, como se dizia na época, era restrito. Tudo sempre meio escondido.

Eu conhecia só o Tio Camilo e o Tio Esio, que cuidavam do cabelo das mulheres lá de casa. Mas sempre me perguntava: “por que só vejo eles aqui no salão?”, e ouvia sempre que eles trabalhavam muito.

Na escola as coisas eram mais difíceis. Os trejeitos eram motivos de piada, assédio, violências e reuniões secretas para que cuidassem desse “meu jeito”. Nem eu entendia o que era esse tal jeito.

Na adolescência a única saída era a exclusão. Se fechar ou anular quem se é sempre foi a melhor saída, porque é como diz aquele ditado “prego que se destaca ganha marretada”. Isso me fez perder a melhor fase, a da construção futura, de  entender quem eu sou, o que eu gosto, pra onde eu vou, como eu vou e como eu sou. 

De repente quando adulto eis que surge o romper da bolha. Sair de casa, fazer um curso superior e conhecer pessoas, ou melhor, se conhecer. Vem a aceitação, questionamento, o sangue no olho, querer mudança e ver que existem muitas coisas depois do arco-íris.

Mas faltava algo. Até que vem a história da comunidade LGBTQIA+, e com ela um nome que me inquieta. Marsha P. Johnson, a travesti à frente da Rebelião de Stonewall. Nesse momento parei e pensei: onde estão elas que não estão aqui? Como alguém tão forte e importante na construção da minha comunidade não está nos lugares que estou?


Marsha P. Johnson / Reprodução MPJ Institute

É assim, nas reflexões cotidianas que começamos a entender os privilégios cristalizados na sociedade. Eu, homem gay, tenho imensos privilégios, que travestis, transexuais e transformistas não possuem. E porque nós homens gays, que sempre fomos acolhidos e exercermos nossos direitos, graças também a elas, não levantamos e clamamos por essas pessoas como fomos defendidos em 1969?

Ficaram dúvidas e vontade de entender,  viver, compreender melhor.

Até que o destino cuida disso e começo a trabalhar num lugar incrível que trouxe você para a minha vida, cara Petra. Sua presença única, forte, determinada e generosa sempre me deixou fascinado.

Até o dia que ouvi da sua boca: “aqui eu encontrei minha voz, eu pude crescer e florescer”, e ali eu vi o quanto foi e é difícil essa luta. Mas ver todos os dias você resistir, impor tua voz, tua história, tua persona, tua essência e seus ideais é inspirador.

Resolver tudo e qualquer situação, seja ela no funcionamento da loja ou mental de uma equipe inteira. Não tem nada que te dê medo, melhor dizendo, não tem nada que te impeça de seguir e fazer jus ao significado da palavra trans, ir além de.

Para além de mulher trans você é uma barista, administradora, amiga, companheira, filha e uma guerreira. E te ver ser me ensina a estar presente e não desistir. 

Eu só sou grato por aprender com você. E que o mundo aprenda mais e mais com todas as Nany People, Petra, Lina da Quebrada, Urias, Érika Hilton, Lutte, Laerte, Pascale, Andy, Liniker e tantas outras que ganharam força pra serem e viverem.

Ninguém pode calar uma travesti!!

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*A Cia Burlesca é uma companhia de teatro político do Distrito Federal.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.

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Edição: Flávia Quirino