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Coluna

Violento é o rio ou as margens do capital que o comprimem?

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"A população atingida por grandes obras no Brasil já é alta e desassistida pelo poder público há décadas, e infelizmente esse número só aumenta" - Divulgação
A culpa para os crimes e descasos no nosso país com as vidas não é da natureza

Cansaço!

A palavra que define as populações atingidas nesse início de ano seja em torno de uma barragem sob ameaça de rompimento, ou pelos alagamentos e enchentes provocadas pelas fortes chuvas nas cidades, é de acumulo de cansaço. Na verdade nos últimos anos, tem sido esse o sentimento, de exaustão e desolamento!

Entre crimes e tragédias, iniciamos a extensão de 2021. Sim, chegamos em 2022, mas a sensação é que o ano passado não saiu das nossas vidas! Tentamos ver familiares, confraternizar, relaxar, mas o caos em que nosso país se encontra, é praticamente impossível! Está sendo um começo de ano difícil pra muita gente. Nossa gente!

Infelizmente, o que presenciamos, repetidamente, é fruto do descaso em que a população brasileira está literalmente mergulhada e decorrem unicamente das causas e consequências dos crimes ambientais proporcionados pela ganância do capital sobre nossos recursos naturais, terras, águas e ar.

A população atingida por grandes obras no Brasil já é alta e desassistida pelo poder público há décadas, e infelizmente esse número só aumenta, de dezembro do ano passado até a metade deste mês corrente, tivemos noticiado esse aumento da população atingida pelas enchentes envolvendo inseguranças de Barragens, mas também pela Intensidade das chuvas.

Até o presente momento, foram pelo menos 11 estados atingidos (Bahia, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Tocantins, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Goiás, São Paulo e Santa Catarina), destes, encontram-se em situações mais graves e críticas, oito: Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Tocantins, Espírito Santo, Pará, Maranhão e Piauí, deixando um número exorbitante de desabrigados, que segundo a defesa civil, supera o número de 100 mil pessoas atingidas.

Sabemos que água é vida e chuvas são bênçãos! Reafirmamos que a culpa para os crimes e descasos no nosso país com as vidas, patrimônios históricos e bem estar social não é culpa da natureza e muito menos de Deus e santos, eles não tem nada a ver com a sanha por lucros e desprezo por fiscalização/ monitoramento, dos verdadeiros responsáveis!

Mas sempre há Esperança!

O Estado deve ser a primeira e principal resposta para as famílias em situações de vulnerabilidade e insegurança, mas nem sempre chega a tempo e as famílias não podem esperar por isso, os movimentos populares tem nas suas diretrizes, a solidariedade. Por ela nos guiamos.

Desta forma, neste momento, em que os territórios foram tomados por mais essa devastação nacional, estávamos presentes e nos somando nas várias ações de solidariedade: lançando campanhas de arrecadação para auxiliar e minimizar os estragos, cobrando do poder público, agilidade nas ações e também nas brigadas de solidariedade junto com outros movimentos, como em Jequié, interior baiano, principal estado afetado e do total de desabrigados no Brasil, a região totaliza mais de 80 mil pessoas atingidas.


MAB se soma à Brigada de solidariedade às famílias atingidas por inundações em Jequié / MAB

Em Minas, o caos ambiental vivenciado pela população é permanentemente, também preocupante, por lá, já é sabido que a cada quadra invernosa, os crimes se repetem e se propagam, então nesse momento, a população tem lidado com os riscos eminentes provenientes das chuvas e insegurança das barragens, mas também com doenças trazidas pelos rejeitos e com o descaso do poder local e federal.

Devido essa situação a própria população vive em constante alerta, com isso, as ações de solidariedade me Minas tem muito a nos ensinar, são coletivas e organizadas. Juntam-se movimentos populares, associações, organizações, institutos, igrejas e o povo. Cada comunidade isolada teve alguém indo a pé, de barco, tirolesa para levar qualquer que seja o suprimento, desde água, comida ou conforto. O MAB tem divulgado diariamente informe sobre a situação para diminuir a desinformação e auxiliar na cobrança dos reparos.

Em Marabá (PA), as enchentes também chegaram castigando a população e segundo a defesa civil, foram mais de 1.600 desabrigados, a prefeitura local construiu alojamentos emergenciais, mas cerca de 120 famílias ainda se encontram em áreas alagadas. Temos acompanhado a situação dos atingidos pelas enchentes e cobrado do poder público maior agilidade e respeito aos direitos humanos no atendimento às famílias.

Mas repetimos, é o poder público, nos âmbitos municipal, estadual e federal que precisa dar as respostas necessárias ao povo. O papel dos movimentos populares, ong’s e associações são o de fortalecer a organização, formação e luta das populações atingidas nos territórios, pois o protagonismo e voz devem ser de quem sente continuamente o descaso do Estado, desta forma fazer com que os apelos e reparações ocorram de forma mais rápida e coletiva. “Não há reparação justa, sem participação”. Solidariedade, também é ensinar o povo a se organizar!

Continuamos na resistência e Luta!

O MAB, em sua pauta de reivindicações, apresentou ao governo federal a criação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). A proposta concreta da Política Nacional de Direitos representa o acúmulo da experiência e das lutas sociais. Segue abaixo os principais pontos da PNAB extraído do seu relatório:

1 - Definição do conceito de atingido

2 - Definição das formas de reparação

3 - Definição dos direitos dos atingidos

4 - Criação de um Programa de Direitos dos Atingidos por Barragens, em cada obra, no âmbito do licenciamento ambiental

5 - Criação da “Conta PNAB” que financiará a política de direitos

6 - Criação de um órgão de Estado responsável pela política, com a participação dos atingidos

Ano passado, em audiência no Senado, a advogada Tchenna Maso falou em nome dos atingidos sobre a PNAB: “Esse debate nasce muito na Comissão Mundial de Barragens, que estudou o caso brasileiro e em 2000 já elaborou um relatório sobre os impactos dos empreendimentos elétricos com barragens. E no Brasil a gente tem visto que as barragens de mineração também causam muitos impactos, porque é impossível você desviar o curso de um rio e não admitir que isso vai causar danos, que isso vai causar impactos sociais e ambientais em um país onde a dimensão social está muito associada à dimensão ambiental. Então, quanto mais a gente atuar em caráter preventivo, a gente vai conseguir minimizar e mitigar esses danos ambientais”.

Bom, chegamos num determinado ponto da história do Brasil em que estamos órfãos e diante de um pós-guerra, não tem e não terá saída fácil ou rápida, nós sabemos disso, e sabemos também que se a unidade que tanto falamos na esquerda em torno do nome do Lula for uma falácia, estaremos nos enganando!

Nosso alinhamento para eleger Lula, deve ser visto para além das urnas e com muito diálogo, formulação de ideias, debate com a população para que consigamos encontrar as saídas justas e necessárias à reconstrução do país. Não tem tarefa mais prioritária que essa!

Finalizamos com desejos de esperança e com poesia de Bertolt Brecht: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.

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*Adriana Dantas é educadora popular, militante do MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens, atualmente contribui no Distrito Federal.

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.

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Edição: Flávia Quirino