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Vacinação infantil: cada segundo conta, toda vida importa

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Para Bolsonaro e Queiroga, tem mais valor a opinião de leigos do que o conhecimento da Anvisa e de sociedades científicas do mundo inteiro. - Foto: Andre Borges/Agência Brasília.
Em qualquer país com um governo minimamente sério, a vacinação já teria começado

No dia 16 de dezembro de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a aplicação da vacina Comirnaty, fabricada pela Pfizer, para imunizar crianças de 5 a 11 anos contra a Covid-19.

Desde então, a vacinação deste segmento populacional entrou na agenda do Ministério da Saúde, que pactuou com o laboratório a compra e a entrega do imunizante: até março deste ano, 20 milhões de doses, quantidade suficiente para imunização de metade da população dessa faixa etária; até o final do ano, mais 100 milhões de doses.

Em qualquer país com um governo minimamente sério, a vacinação já teria começado, mas estamos no Brasil sob o governo Bolsonaro, que, na contramão do mundo civilizado, não apenas se guia pelo negacionismo, como ainda incita seus seguidores a irem sorrindo para em direção à morte, levando consigo o maior número possível de inocentes.

O que se viu desde a aprovação do imunizante foi um calculado projeto de adiamento do início da vacinação, consolidando o Brasil no abominável posto de país com a segunda maior taxa de mortalidade infantil por Covid-19 no mundo, e quando cobrados a agir para reverter isso, Bolsonaro e seu ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reagiram com desumano escárnio: “Pra que tanta pressa?”.

A ciência que eles criminosamente negam tem a resposta: "Essa faixa etária é um dos principais vetores de transmissão da doença, podendo transmiti-la por períodos mais longos, tornando-a a principal disseminadora da pandemia num futuro próximo", alerta a Dra. Marjori Dulcine, diretora médica da Pfizer no Brasil.

O primeiro obstáculo foi a morosidade para regularizar o sistema do Ministério da Saúde, que teria sido supostamente invadido por hackers, dificultando a aferição dos números de infecção e óbito derivados da Covid-19, e foram esses números defasados que Queiroga usou para definir como “aceitáveis” os índices da pandemia no país, no que foi desmentido, com provas, pela Sociedade Brasileira de Pediatria: a covid-19 já matou mais de 2.500 crianças e adolescentes, mais de 300 delas do grupo de 5 a 11 anos, fora as milhares de hospitalizações.

O segundo obstáculo, exigir prescrição médica para vacinação, o que afetaria sensivelmente as camadas mais pobres do país, cujo acesso a serviços médicos privados é inexistente e, na sobrecarregada rede pública, lento demais, e, numa pandemia com alto poder de letalidade, cada dia perdido representa vidas perdidas.

Mediante a péssima repercussão, criou-se novo e esdrúxulo obstáculo: a realização de uma consulta pública para saber se a população considerava, primeiro, correta a obrigatoriedade da vacinação pediátrica, depois, se esta deveria se dar, ou não, somente com prescrição médica.

Para Bolsonaro e Queiroga, tem mais valor a opinião de leigos do que o conhecimento da Anvisa e de sociedades científicas do mundo inteiro. Paralelamente, Bolsonaro dava declarações desacreditando a importância da vacina, para apoiadores replicarem nos esgotos de disseminação de fake news. Consulta minimamente similar foi realizada, por exemplo, para recomendação – e mesmo propaganda feita pelo presidente – do uso de cloroquina e ivermectina, comprovadamente ineficazes contra a Covid-19.

A consulta terminou na segunda-feira (3), com os seguintes resultados: das quase 100 mil pessoas que responderam ao questionário, a maioria é contra a obrigatoriedade, mas também é contra à prescrição médica para quem quiser vacinar seus filhos.

Sem se dar por vencido, porém, Queiroga convocou para ontem (4) uma audiência pública, da qual participaram aliados do governo e ex-integrantes do nefando “gabinete paralelo”, responsável direto pela condução genocida da pandemia, que definiram a variante Ômicron como “um presente de Deus”, pois sua menor letalidade confere maior segurança à imunidade de rebanho, e defenderam que a vacina tem caráter “emergencial”, mais uma mentira, pois a Pfizer já tem o registro do imunizante.

Foram tecnicamente contestados por representantes da comunidade científica presentes à audiência cujo único propósito foi o de atrasar ainda mais o início da vacinação, que, finalmente, Queiroga anunciou vagamente para a segunda quinzena de janeiro, depois do trâmite de entrada dos lotes de vacinas no país, mas não informou quantas doses serão aplicadas, apenas que, até o final do mês, o Brasil terá disponíveis quase 4 milhões de doses do imunizante.

Crianças têm o direito constitucional de receber vacinas aprovada. A letalidade da variante Ômicron é menor somente para quem já foi vacinado, mas que poderá voltar ao grupo de risco enquanto houver mais e novos vetores de transmissão de variantes – e já estamos na segunda, em dois anos.

A ADUnB se une a todas as entidades sindicais, políticas, civis e científicas que sabem: cada segundo conta, toda vida importa.  Em defesa da Ciência. Em defesa da Vida.

*Diretoria da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB - S. SInd. do ANDES-SN)

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino