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Artigo | Amar, sonhar e mudar as coisas me interessa mais**

Eduardo, como nosso Manoel, o de Barros, esteve sempre atento às miudezas do mundo, aquilo que poucos dão atenção.

Brasil de Fato | Crato (CE) |
“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. - Reprodução

Sonhem com o impossível, pois ele só o é enquanto não o fazemos realidade. Digo isso ébrio, mas sem um pingo de romantismo em minha carne. O sonho é uma força motriz potente, ele nos arranca da paralisia amedrontada que o sistema nos impõe e nos lança na construção do mundo que queremos para nós e para quem amamos. Falando nesse outro verbo movimento, amem, pois amar também nos lança ao mundo que sonhamos.

Belchior eternizou a oração "amar e mudar as coisas", mas quero evocar outro rapaz latino-americano que também já se encantou. Nosso querido Eduardo Galeano, esse bruxo uruguaio das palavras, que faz do verbo magia que alimenta sonhos. Digo “nosso” porque sei que muitos sentem o que sinto e digo, porque suas narrativas seguem fazendo consciência no mundo. 

Tem uma passagem do Las Palabras Andantes que nunca esquecerei: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.

Uma das belezas dessa passagem, para além de suas camadas acessíveis de pronto, é que nela vemos a humildade de Galeano e sua honestidade de classe, pois ele, ao eternizar esse encantamento, eterniza seu criador, Fernando Birro, que lançou essa braba no mundo.

Eduardo, como nosso Manoel, o de Barros, esteve sempre atento às miudezas do mundo, aquilo que poucos dão atenção, e fez delas pérolas que até hoje admiramos. E sim, invoquei outro encantado, não pela nostalgia ou fetiche pela velharia que me constituem, mas porque neles tem a sabedoria que tanto me inspira e me faz seguir desejante.

Quem sabe não alimento o desejo de outras pessoas partilhando os meus? Quem sabe não ajudo a alimentar os sonhos de nosso povo? Querer um tanto egoísta e de uma síndrome de deus que me toma, assim como a toda pessoa, por motivos diversos. Mas quem não quer ver os seus bem e sonhando com uma vida melhor?

Mas sonho não é ficar parado aguardando que as coisas aconteçam, não é obra de fé no indizível ou no encanto do mundo, por mais que eles sejam importantes pra alimentar o espírito. Sonho é verbo, que é ação, que é trabalho. Para virar matéria, ter vida em nossa realidade, h\á de colocarmos a mão na massa, então façamos nosso sonho realidade pela obra de nosso trabalho e do trabalho de quem vai junto da gente.

*Trabalhador da cultura e militante social.

**Parafraseando Belchior

*** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Francisco Barbosa