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A fórmula do governo para destruir a Capes

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Menos de um mês depois das demissões do Inep, 80 coordenadores da Capes também pediram demissão - Divulgação
Para reestruturar a pesquisa e a ciência, será preciso superar esse governo

Notoriamente, o governo Bolsonaro tem no conhecimento um inimigo; logo, o odeia. Mas setores do mercado que apoiaram integralmente a sua eleição e ainda o mantém no poder público unicamente para que o Estado seja mínimo para os que mais precisam e máximo para ele, mercado, adoram o lucro que a educação, a ciência e a pesquisa podem lhes render.

Para tanto, aplica-se a velha fórmula das privatizações para rifar a soberania nacional: o sucateamento, que, na Educação, começou pelas escolas e Instituições de Ensino Superior públicas e chegou à Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação ligada ao Ministério da Educação que atua visando a expansão e a consolidação da pós-graduação no Brasil, que, com um corpo de coordenadores e consultores formado por pesquisadores e professores egressos de diversas instituições de ensino de todo o país, são convocados por um processo público, com mandato de quatro anos, com o qual fazem, voluntariamente, avaliações quadrienais dos cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado de 49 áreas distintas, autorizando ou não o seu funcionamento.

Os cursos com melhores avaliações não só recebem mais recursos e prestígio, como participam de mais programas e convênios.

Em setembro, liminar concedida pela Justiça Federal ao Ministério Público Federal suspendeu a avaliação quadrienal dos programas de mestrado e doutorado em curso, alegando apuração de ilícitos nos critérios adotados pela Capes, que teve 30 dias para apresentar a relação completa dos seus critérios de avaliação, mas não o fez – e esse é apenas um dos atos cometidos pelo governo para sucateamento da Capes.

No dia 2 de dezembro, o juiz titular da 32ª Vara Federal do Rio de Janeiro determinou a retomada da avaliação quadrienal da pós-graduação, mas isso não resolverá o atraso derivado da falta de atenção da direção da Capes para as avaliações.

Demissões em massa

Menos de um mês depois de quase 30 profissionais da Educação envolvidos na elaboração do ENEM pedirem exoneração de suas funções no INEP devido ao assédio de agentes governamentais para interferência ideológica de Bolsonaro em questões do exame, no início desta semana, 52 coordenadores e consultores das áreas de Matemática e Física da Capes se demitiram.

Dois dias depois, 28 coordenadores e consultores da área de Química uniram-se a eles, totalizando 80 desligamentos da instituição sob as mesmas alegações.

São elas: falta de compromisso da direção da agência com a avaliação quadrienal (inúmeras avaliações não serão finalizadas até o primeiro quadrimestre de 2022, quando terminam os mandatos); falta de um Plano Nacional de Pós-Graduação para o período 2021-2030; falta de diálogo da presidência com os coordenadores; dificuldade para trabalhar de acordo com padrões acadêmicos; e, em uníssono, a denúncia de uma pressão para aprovação de novos cursos, incluídos os de EaD (Educação à Distância), que fazem brilhar os olhos de setores privados da Educação.

As digitais de Milton Ribeiro

Em abril deste ano, a Capes passou a ser presidida por Claudia de Toledo, que atuava como professora e reitora do Centro Universitário de Bauru, pertencente à Instituição Toledo de Ensino, do setor privado, a mesma em que cursou Direito o ministro pastor da Educação, Milton Ribeiro, que mais de uma vez já manifestou publicamente achar que “tem universidades públicas demais no Brasil”.

Ribeiro escolheu Claudia Toledo pessoalmente, contrariando toda a comunidade acadêmica e científica, apontando a absoluta inexperiência dela para o cargo, que precisou de míseros sete meses para dar razão à Ciência – e, breve, alegria ao mercado.

Resgate

Para o Professor Titular da EESC/USP, Marcelo Zaiat, não se pode falar em retomada da normalidade mínima para a produção de pesquisa e ciência sem antes reestruturar o modelo acadêmico, tampouco sem superar o atual governo: “Não dá para falar na situação da pesquisa, da ciência, sem falar na estrutura universitária brasileira, que é um modelo elitista, longe de ser popular. Tivemos sempre uma ciência e pesquisa desconectadas da realidade do país, da desigualdade social, mas, ainda assim, uma pesquisa de relevância. Em termos de uma universidade mais popular, tivemos apenas alguns lampejos de conexão com a realidade social do país, caso de Darcy e Florestan Fernandes, entre poucos outros”.

Se a gente entender que a pesquisa, a ciência e a tecnologia se fazem prioritariamente nas universidades, a raiz do problema está na própria universidade. Lógico que as coisas se tornaram deploráveis com a ascensão da extrema-direita ao poder, claramente com um projeto de destruição total do sistema, então, para recomeçar, para reestruturar a pesquisa e a ciência, será preciso superar esse governo.

*Diretoria da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB - S. SInd. do ANDES-SN)

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino