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PEC 23: quem viver, receberá

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Além de inconstitucional, a PEC 23 é desumana - Marcos Oliveira/Agência Senado
PEC do Calote, é uma bomba-relógio nos direitos trabalhistas e previdenciários de várias categorias

Tal como já aprovada em dois turnos pela Câmara dos Deputados, e já em trâmite no Senado Federal, a Proposta de Emenda Constitucional 23, chamada de PEC dos Precatórios (dívidas da União), mas, com justiça à verdade dos fatos, mais conhecida como PEC do Calote, é uma bomba-relógio nos direitos trabalhistas e previdenciários de várias categorias, tais como aposentados/as, em especial os/as da Educação.

A Constituição garante prioridade ao pagamento de precatórios de natureza alimentar (salários, benefícios previdenciários, indenizações por morte ou invalidez). Entre eles, ainda mais prioritário o pagamento a credores a partir dos 60 anos e a portadores de doenças graves e deficiência, no limite de 180 salários mínimos.

Na fila preferencial, ainda, o pagamento dos profissionais da educação com recursos do antigo Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) e de seu substituto, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), conforme aprovado no início deste mês pela Câmara dos Deputados. Parcelado em três anos, o pagamento previsto para 2022 seria de R$ 7,2 bilhões.

Mas o pagamento de precatórios é diretamente condicionado à quitação de RPVs (requisições de pequeno valor) de até 60 salários mínimos, uma despesa já estimada em cerca de R$ 20 bilhões.

Além desse valor, outras dívidas com pagamento já previsto para o próximo ano resultam em mais de R$ 47 bilhões, valor que já supera os R$ 45 bilhões do subteto previsto na PEC para pagamento no mesmo ano.

Assim, não há garantia de pagamento de todos os precatórios alimentares, como de direito a profissionais da ativa e já aposentados/as da Educação, por exemplo.

E tem mais: a Consultoria Mercatório, com base em números obtidos junto ao Ministério da Economia, prevê que o parcelamento dos precatórios para profissionais da ativa e aposentados/as Educação, que acabaria em 2024, se arraste até 2029.

Por fim, seria irônico, não fosse catastrófico, que, em agosto passado, a própria Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados apresentou estudo apontando risco de que as RPVs passem a consumir todo o teto para sentenças judiciais de 2028 até 2036, quando será extinto o teto de gasto, inviabilizando, assim, o pagamento a credores prioritários – caso dos profissionais da ativa e aposentados/as da Educação.

Para o presidente da Comissão de Precatórios da OAB Nacional, Eduardo Gouvêa, a organização da fila de prioridades após 2022 criará um caos administrativo no Judiciário, como no caso da regra que impede expedição de precatórios até aferição final das dívidas do Fundef.

"No Fundef, criaram uma fila paralela, e as demais expedições dependem dessa fila. Há a possibilidade de que nenhum juiz possa expedir nada, esperando autorização sei lá de quem, porque não existe um órgão que centralize isso no Brasil", diz Gouvêa, que também destaca a inconstitucionalidade da PEC 23 ao transgredir a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais (duas cláusulas pétreas da CF) e promover mais de 30 violações constitucionais.

Além de inconstitucional, a PEC 23 é desumana, como se conclui na observação do professor aposentado da UnB e diretor da ADUnB, José Carlos Balthazar:

“Como, em geral, aposentados são pessoas idosas e, muitas vezes, portadores de doenças crônicas, o adiamento dos pagamentos pode até representar a diferença entre a vida e a morte. Com o calote, muitos aposentados certamente morrerão antes de receber o que têm direito”.

Inconstitucional, desumana e lucrativa

Não de agora há uma espécie de mercado paralelo de precatórios, formado, majoritariamente, por empresas devedoras da União, que localizam credores menores dos precatórios, não raro os prioritários, sabendo de sua necessidade, ou desespero, de receber o quanto antes o que a Justiça lhes garantiu, mas que o governo emperra, e oferecem a compra de seus precatórios, mas com deságio.

Com essa transação, as empresas quitam suas dívidas, parcial ou totalmente, com a União e ainda têm um lucro. Antes da PEC do Calote, o deságio oscilava em menos de 20%; após a sua aprovação na Câmara, saltou para 40%.

Para a Dra. Larissa Rodrigues, advogada-sócia da Rodrigues Pinheiro Advocacia, que presta assessoria jurídica à ADUnB, a PEC 23 fomenta e legitima a cessão de crédito e a mercantilização dos precatórios, e o faz de forma perversa para com os direitos de quem mais precisa:

“No caso dos precatórios, que são verbas de natureza alimentar, o parcelamento que a PEC prevê significa que o servidor entregou sua força de trabalho, seu tempo, e não recebeu a justa contrapartida do que lhe é de direito”.

Por essas e tantas outras, a ADUnB tem participado, e continuará participando, também de todos os atos e ações de mais essa luta em defesa da categoria docente, para que não prevaleça o que esse governo tanto deseja com essa PEC do Calote: quem viver, receberá.

*Diretoria da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB - S. SInd. do ANDES-SN)

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Flávia Quirino