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Coluna

Os limites do RENOVA DF e a Economia Solidária

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Lançado em dezembro de 2020, o RENOVA DF (Programa de Qualificação Profissional) já está na sua segunda rodada de seleção para o processo de qualificação - Foto: Arquivo / Agência Brasília
Agora, como a pandemia continua as debilidades econômicas de um DF quase sem indústrias aparecem.

 

E os três mil trabalhadores qualificados em cada turma que foi montada pelo RENOVA DF? Vão engrossar aquela imensa relação de brasileiros “bem qualificados, mas sem trabalho”?!

Lançado em dezembro do ano passado, o RENOVA DF (Programa de Qualificação Profissional) já está na sua segunda rodada de seleção para o  processo de qualificação nas áreas de pedreiro, carpinteiro, eletricista, jardineiro, entre outras. 

São três mil trabalhadores desempregados selecionados por rodada do RENOVA DF. Detalhe: o DF tem hoje 304 mil pessoas desempregadas, segundo a CODEPLAN. Esse número só inclui os desempregados “que estão procurando emprego”. O desempregado “em situação de desalento”, ou seja, que “desistiu de procurar emprego” não entra nessa estatística.

Além de aulas teóricas, os participantes exercem atividades práticas, recebendo uma bolsa de um salário mínimo, mais vale-transporte e seguro contra acidentes de trabalho. O curso tem carga horária de 80 horas/aulas (30 dias) e é ministrado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).

Não há ainda dados disponíveis sobre a empregabilidade dos trabalhadores qualificados pelo RENOVA DF. Depois de qualificados, os trabalhadores são jogados na selva do mercado de trabalho, cada vez mais deprimido. 

Antes da pandemia, a hipertrofia de ramos do setor “serviços”, como eventos, bares e restaurantes, escamoteava a real capacidade da economia brasiliense incorporar a força de trabalho disponível na região. 

Agora, como a pandemia continua (só acabou na cabeça do Ibaneis e do inominável presidente da república), as debilidades econômicas de um DF quase sem indústrias aparecem dramaticamente à luz do dia e todo dia.

Na verdade, há muita gente qualificada desempregada, a despeito da tese, eivada de ideologia, de que a causa do desemprego vem a ser a “baixa qualificação dos trabalhadores”, ou seja, a tese é muito confortável para o sistema capitalista que joga nas costas dos trabalhadores a responsabilidade por estarem desempregados.

Agora mesmo, fala-se em escassez de mão-de-obra em TI (Tecnologia da Informação), cujo déficit no Brasil seria, segundo os empresários, de 400 mil trabalhadores. Ora, se falta essa força-de-trabalho específica, que as empresas do ramo dobrem, tripliquem, quadrupliquem os salários ofertados!

 Dessa forma, certamente aparecerão um milhão de trabalhadores qualificados em TI que se candidatarão às vagas e que só não o fazem hoje porque estão exercendo outra atividade de alguma forma melhor.

O que é inaceitável é propagandear a necessidade de prover força de trabalho de uma qualificação específica para este ou aquele ramo da economia, simplesmente para aumentar a oferta e pressionar o salário dos trabalhadores para baixo. Isso vale para qualquer ramo da economia.

Os empresários não conseguem esconder que a “falta de mão-de-obra especializada” se dá “naquele nível salarial” que estão dispostos a pagar

Ao longo do tempo, o processo de qualificação profissional vem sendo facilitado pela própria simplificação dos métodos de trabalho, pela tecnologia da informação e pela robótica, propiciando, em tese, jornadas de trabalho menos extenuantes para trabalhadoras e trabalhadores.

 Jornada de trabalho, aliás, que deveria ser reduzida, sem redução de salário, para absorver mais trabalhadores que, sem isso, ficam engrossando o exército industrial de reserva da engrenagem capitalista, forçando os salários para baixo, numa escalada viciosa até chegar à máxima do economista neoclássico Arthur Pigou: "salário zero ou negativo garante o pleno emprego”.

Enfim, quantos trabalhadores do pequeno contingente qualificado pelo RENOVA DF estão ou estarão à mercê das selvagens leis da oferta-e-procura de força-de-trabalho,  dispondo-se, ou não, a trabalhar em troca de um prato de comida??

Se Ibaneis conhecesse melhor o instrumento da “Economia Solidária", que no DF teve sua lei (8466/2012) sancionada durante o Governo Agnelo, o GDF poderia criar as condições de geração de trabalho e de renda em favor desses trabalhadores que estão se qualificando.

Podem eles se habilitar como MEI, organizarem-se em “coletivos de economia solidária", com no mínimo de dez  trabalhadores e trabalhadoras e se habilitarem a prestar serviços, contratados, por exemplo, na modalidade “carta-convite” para as unidades orçamentárias do governo: administrações regionais, regionais de educação e da saúde etc. 

Por meio desse Coletivo, cada CNPJ é disponibilizado para ser contratado, a cada carta-convite, para reformas e outros serviços nessas unidades do GDF.

Simples assim! Com o Brasil em depressão economia, ninguém deve soltar a mão de ninguém e o Estado tem que aparecer como grande provedor de oferta de trabalho e renda para a população. 

A pandemia matou o neoliberalismo, mas como ele não foi enterrado e substituído por um sistema justo, igualitário e solidário, continuará, nos estertores, utilizando seu ferramental de maldades contra o povo trabalhador!

*Afonso Magalhães é Economista e Coordenador de Direitos Humanos e Relações Internacionais da Central de Movimentos Populares (CMP-DF)

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Márcia Silva