Distrito Federal

Coluna

A Agenda 10 DF e o Direito à Cidade

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Cidade Estrutural - DF - Foto: Arthur Menescal
As regiões administrativas com maioria negra, são as que sentem mais a ausência do Estado.

Direito à cidade também é ocupação dos espaços, especialmente aqueles que parecem intocáveis e imutáveis, mesmo com a ação do tempo, como são os monumentos da Esplanada dos Ministérios. Então, como já estou há 32 anos em Brasília, participei de várias ocupações neste espaço de dimensões monumentais. A primeira manifestação em terras brasilienses foi o “Fora Collor”, depois dela várias outras se seguiram, até a última em 2 de outubro.

Esplanada cheia, então olho para cima e vejo nas paredes dos ministérios algo nada surpreendente: como ação em homenagem à independência o que temos? Fotos dos nossos colonizadores, Pedro primeiro, Pedro segundo, Duque de Caxias etc. Mesmo que naquele momento estivéssemos haqueando o espaço, com pessoas de todas as cores e todos os lugares, aqueles cartazes estavam ali nos mostrando que o espaço é colonizado desde o nascimento. E segue colonizando sua própria população periférica, distanciada do centro propositalmente, já que a cidade foi construída por eles, mas não destinada a eles.

O Distrito Federal é um dos lugares mais jovens do Brasil, mas que cotidianamente executa uma política velha e carcomida, com desigualdades abissais entre centro e periferias, com políticas precárias para a população negra e pobre. É o lugar com as maiores taxas de desigualdades e maiores índices de desemprego.

Desde 2012 existe o Movimento Nossa Brasília que tem como principal objetivo gerar dados e produzir instrumentos para facilitar a incidência dos movimentos sociais sobre os poderes Executivo e Legislativo. O principal é o Mapa das Desigualdades, que demonstra as distâncias do Plano Piloto e dos lagos, de locais como Estrutural, Paranoá, Itapoã etc. Por meio dos mapas conseguimos dar visibilidade à ausência do Estado com relação às políticas promotoras de direitos e as políticas de repressão, que são as mais visíveis nos territórios mais distantes.

Agenda 10 DF

A partir da visibilização dessas desigualdades e em meio à pandemia, resolvemos destacar ações governamentais necessárias para dirimir os efeitos da crise sanitária. Nascia a Agenda 10 DF, iniciativa do Movimento Nossa Brasília, com apoio do Inesc e da Oxfam Brasil.  As recomendações das organizações foram apresentadas ao Legislativo e Executivo, mas pouco efeito provocou até então.

Importante ressaltar que todas as ações escolhidas estão diretamente ligadas aos efeitos provocados pela pandemia, ou para reduzir esses efeitos, como, por exemplo, ampliação das redes de água e esgoto em lugares como a Estrutural, mais especificamente, Chácara Santa Luzia. Percebemos a ironia deste momento, quando se fala da necessidade de lavar as mãos, manter distanciamento social, para famílias que se aglomeram em barracos de madeirite e precisam buscar água em latas, no chafariz, pois não possuem água encanada.

Propusemos a construção de corredores exclusivos para ônibus entre Planaltina e Plano Piloto, a maior distância percorrida entre uma região administrativa e o centro, para que a população pudesse trafegar com rapidez e menos riscos de contágio. Contudo, o que estamos vendo são ônibus precários e lotados, colocando em risco a população que jamais teve direito ao distanciamento social.

Não é verdade que a pandemia é democrática e ataca a todos da mesma forma, aqueles que usam transporte coletivo e não puderam trabalhar de suas casas ficaram muito mais expostos.

Pedimos, ainda, mais recursos para a saúde, mas também não vimos a melhoria dos hospitais públicos, ao contrário, no primeiro semestre, com o agravamento da pandemia, a realidade foi aterradora para os locais que recebiam as vítimas de Covid-19. E ainda convivemos com a falta de transparência e o escoadouro de recursos para a organização que está responsável pelo Hospital de Base, que sempre foi referência, mas expulsou o quadro de funcionários concursados para contratar outros de forma precarizada.

Outra política que sente um alargamento das desigualdades em decorrência da pandemia é a educação, pois boa parte dos estudantes das escolas públicas tem acesso precário a computadores, celulares e sinal de internet, especialmente nas áreas rurais, e nas cidades mais pobres. Muitos só têm celular pré-pago, com pacote de dados reduzido, que não permitem acessar plataformas necessárias.

Então, solicitamos maior cuidado com esses insumos, com oferta de internet banda larga para estudantes da zona rural, principalmente. E o que vimos, com pesquisa nacional que realizamos, é que esse foi um dos principais entraves aos estudantes de baixa renda, mas nada foi feito nem pelo governo local, nem pelo governo central.

Sabemos que o Distrito Federal é um dos entes federados com maior porcentagem de população negra do país. Seis em cada dez pessoas do Distrito Federal se autodeclaram pretas ou pardas (57,6% segundo a Codeplan, 2019). Tal qual outras cidades do país, as desigualdades raciais são conhecidas por aqui, com dados consolidados demonstrando diferenças de emprego, renda, escolaridade, acesso aos serviços públicos, expectativa de vida entre distintos outros indicadores.

As regiões administrativas com maioria negra, são as que sentem mais a ausência do Estado de bem-estar e a forte presença do Estado repressor, como Fercal e Estrutural, por exemplo.

 As duas cidades também concentram os piores indicadores em diferentes áreas. Além disso, os indicadores globais e locais demonstram que a letalidade por Covid-19 foi maior sobre a população negra. Isso não é uma coincidência.

O racismo piora o acesso e qualidade dos serviços para a população negra de forma brutal. Por isso o combate ao racismo no Distrito Federal precisa, emergencialmente, de políticas voltadas especialmente aos territórios negros locais, sendo estas duas RAs situações críticas que precisam de ações imediatas. Foi o que propomos na Agenda 10, mas também não vimos acontecer.

Então, solicitamos ao Poder Executivo que ouça a população e demonstre que está preocupado de fato com esse território desigual, que as prioridades apareçam no orçamento público e no desenho das políticas. E ao Poder Legislativo que faça a sua parte e fiscalize as ações governamentais.

*Cleo Manhas é doutora em educação e políticas públicas pela PUC/SP e assessora política do Inesc.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Márcia Silva