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Coluna

O combate à pandemia e a exigência do fortalecimento do SUS

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É preciso construir um processo de transição no país tornando o SUS totalmente público e estatal - Foto: Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares
O SUS é alvo da ganância empresarial e da visão mercantil da assistência à saúde

“A saúde é direito de todos e dever do Estado”. Essa assertiva está na Constituição Federal, bem como o comando para a criação do Sistema Único de Saúde, que este mês completa 41 anos de existência.

A pandemia deu maior visibilidade para a importância do SUS (com sua estrutura capilarizada, com atenção primária, programa de vacinação, urgência-emergência, vigilância sanitária etc.) e compartilhada entre União, Estados e Municípios, incluindo o controle social também garantido por lei.

A correlação de forças políticas durante a Constituinte de 1988, com a representação de lobbies empresariais, fez com que a carta-magna garantisse à iniciativa privada o acesso à prestação de serviços de saúde. Hoje está claro o problema: a ganância empresarial e a visão mercantil de assistência à saúde colocam o orçamento do SUS como um dos alvos preferenciais do ataque mercantilista e das relações prostituídas entre privado-e-público.

Haja vista o envolvimento de agentes do Governo do DF, através do IGES, na compra fraudulenta de insumos e equipamentos de combate à COVID-19, incluindo a aquisição de testes individuais de verificação do contágio, que, aliás, praticamente sumiram da rede de atendimento da Secretaria de Saúde do DF, demonstrando, ademais, o alinhamento da política negacionista do governador do DF com seu par do Palácio do Planalto.

Outro instrumento de disputa empresarial com o SUS são os “planos privados de saúde”, cujos proprietários, “acionistas”, operam com um olfato de abutres, faturando com a doença e com a morte. E também drenando recursos públicos para o patrocínio de seus negócios.

Estima-se em 20 bilhões de reais/ano o tamanho da renúncia fiscal com o desconto de “gastos pessoais com saúde” (incluindo os planos privados) na declaração do Imposto de Renda. E mais: o acolhimento no SUS de usuários que tenham plano privado de saúde implica, por determinação legal, no ressarcimento ao SUS por parte do plano de saúde privado ao qual esteja vinculado o usuário. Esses repasses, na prática, estão longe de serem efetuados integralmente.

O SUS, também chamado de “O MAIOR PLANO DE SAÚDE DO BRASIL”, merece esse título didático, até porque a desinformação e alienação turva a visão de uma pequena faixa da população, que acaba “achando normal pagar por dois planos de saúde”, um privado e o público (SUS), onde o primeiro suga recursos do segundo, via Imposto de Renda ou via mecanismos à margem da própria lei.

Definitivamente, mais ainda em tempos de pandemia, quando o SUS se agigantou aos olhos da maior parte da população brasileira, temos que construir um processo de transição neste país, tornando TOTALMENTE PÚBLICO E ESTATAL o SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE.

Por que é necessário uma "transição"?

Porque a população precisa de tempo para acreditar totalmente que o SUS pode funcionar melhor ainda, cobrindo todas as lacunas que hoje são motivos de queixa dos usuários, como na atenção secundária, onde é preciso garantir presteza no acesso a exames laboratoriais, exames de imagens etc., cirurgias eletivas sem filas de espera intermináveis, acesso a remédios (quaisquer que sejam).

Enfim, sair dos planos privados de saúde para ficar exclusivamente vinculado ao SUS (como já ocorre com 80% dos brasileiros e brasileiras) é um movimento possível de ser feito, desde que se construa um respaldo político para isso, um apoio hegemônico da sociedade a essa mudança histórica no funcionamento da saúde no Brasil.

Para tanto, essa transição para um SUS Público e Estatal só pode ocorrer em base ao seu pleno financiamento, retirando a Saúde do teto estabelecido pela Emenda Constitucional 95 (*) e estabelecendo o piso de financiamento equivalente a 10% das receitas correntes brutas da União, além de garantir o estabelecido legalmente como percentual de aporte dos estados e municípios (respectivamente, 12% e 15% das receitas de impostos).

Além disso, o controle social deve funcionar amplamente, incluindo o acesso direto aos mecanismos de compras, licitações e pregões de insumos, equipamentos, obras, etc. Todo o aparato tecnológico disponível deve estar à disposição para controle de estoques e prevenção a desvios e fraudes no fornecimento de insumos, nos contratos de manutenção de equipamentos, na administração das farmácias do SUS e nos almoxarifados das unidades de saúde.

Por fim, temos os profissionais de saúde, que devem ser tratados com salários e jornadas de trabalho dignos! A carreira nacional para os trabalhadores do SUS é uma boa proposta. E mais: é viável e necessária em um SUS totalmente público e estatal!

O conceito de “carreira típica de estado”, derivado de interpretações corporativas e neoliberais da Constituição Federal, pode ser ressignificado, abarcando trabalhadores da saúde e da educação. A “Elite do serviço público”, considerada pelos analistas neoliberais como aqueles servidores das áreas de fiscalização, arrecadação, segurança pública, magistratura, diplomacia etc. poderia ser muito bem ampliada para aqueles que, em vez toga, terno e farda, trabalham de jaleco branco preservando e salvado vidas, ou em frente a uma lousa e/ou uma câmara de notebook transmitindo conhecimento para nossas crianças e jovens.

*A EC 95/2016 congela os investimentos em saúde até 2036, implicando em uma perda acumulada que pode chegar a 400 bilhões de reais, segundo o Conselho Nacional de Saúde. Além disso, durante os governos golpistas (só considerando 2017 a 2019), houve uma queda na despesa federal per capita/ano de 594 para 583 reais. O desfinanciamento do SUS é uma política dos governos golpistas, ainda que a pandemia tenha passado como um trator por cima do governo federal que, mesmo deformadamente e estimulando descaradamente a corrupção (como está sendo comprovado pela CPI da COVID), foi obrigado a aportar mais recursos a título de emergência sanitária.

**Afonso Magalhães é Economista e Coordenador de Direitos Humanos e Relações Internacionais da Central de Movimentos Populares (CMP-DF)

****Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Flávia Quirino