Rio Grande do Sul

Educação

Por falta de professores, RS adia reorganização curricular para recuperação da pandemia

Ampliação da carga horária de Português e Matemática deveria ter entrado em vigor nesta segunda (23)

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Nova organização busca suprir déficit de aprendizado causado pela pandemia - Foto: Alex Rocha/PMPA

No último dia 6 de agosto, a secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira, assinou uma portaria determinando a implementação de uma nova organização curricular para as escolas gaúchas. Com o objetivo de ajudar a recuperar as perdas provocadas pela pandemia do coronavírus, a rede estadual de educação passaria a reforçar os períodos das disciplinas de Português e Matemática do 1º ano do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, com a previsão de entrada em vigor da nova matriz curricular para esta segunda-feira (23). No entanto, por falta de professores desta disciplina, a própria secretária encaminhou ontem um documento adiando o prazo final para a implementação da organização para o dia 17 de setembro.

Diretor da Escola Estadual de Ensino Médio Olindo Flores da Silva, localizada em São Leopoldo, Silvio Nei Silva Machado explica que participou de reuniões de orientação a diretores de escolas estaduais com representantes da 2ª Coordenadoria Regional de Educação e com a própria secretária Raquel em que foi informado que a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) decidiu mudar a matriz curricular a partir dos resultados do programa Avaliar é Tri RS, lançando em maio, que teve o objetivo de avaliar as perdas de conhecimento dos alunos em razão da pandemia. As avaliações teriam evidenciado a necessidade de reforço nas disciplinas de Português e Matemática, o que levou ao aumento da carga horária em ambas as disciplinas.

Silvio explica que a orientação era para acréscimo de dois períodos adicionais de Português e três de Matemática, passando o total de períodos da primeira disciplina para cinco e da segunda para seis. Para fazer a adequação, os períodos de todas as disciplinas seriam reduzidos dos atuais 60 minutos de duração para 50 minutos.

De acordo com o Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers), a própria Seduc estimava que seria necessário contratar emergencialmente 4 mil novos professores, entre as disciplinas de Português e Matemática, para suprir a demanda da nova organização.

Contudo, nesta segunda-feira, a secretária Raquel Teixeira encaminhou uma circular a diretores de escola e coordenadores regionais de educação orientando para a prorrogação do prazo para a implementação da Portaria 163/2021, que instituía a nova organização curricular. Entre as justificativas elencadas estava a “demora na manifestação dos candidatos às vagas de contratos temporários”.

Diretora da Comissão de Educação do Cpers, Rosane Teresinha Zan afirma que o sindicato já vinha alertando que não seria possível implementar a nova matriz curricular pelo problema de falta de professores, uma vez que muitas escolas já sofriam com a falta de docentes para cumprir a carga horária atual de Português e Matemática. “Para te dar um exemplo, nós visitamos uma escola em Torres, na semana passada, e essa escola estava desde o início do ano com falta de professor de Português. E isso acontece em vários locais”, diz, acrescentando que um levantamento indicaria que mais de 30 coordenadorias não iriam conseguir suprir a demanda de professores das duas disciplinas até o dia 23 de agosto.

O diretor Silvio diz que a escola Olindo Flores da Silva sofreu com a falta de professores de Português durante boa parte deste ano e que atualmente ainda faltam professores das disciplinas de Espanhol, Física e Biologia. “Até dois meses, nós tínhamos falta de professores de Português, recebemos duas professoras, uma de 40 horas e uma de 36, aí supriu a necessidade”.

Silvio também diz que, quando a Portaria 163 foi publicada, imaginava-se que o atual professor titular das disciplinas em cada escola permaneceria com os seus períodos e que os novos professores contratados ficariam responsáveis pelos períodos de reforço. Contudo, diz que receberam a orientação de que não poderia ter dois professores da mesma disciplina na mesma turma. Com isso, obrigando as escolas a remanejarem todas as turmas e concentrarem os professores em menos turmas. Por exemplo, um professor de Matemática que tinha 12 períodos em quatro turmas, precisaria dar aulas em apenas duas turmas, uma vez que passaria a ter seis períodos para cada turma.

“Há um prejuízo pedagógico aí. Eu acho que a ideia de reforçar Português e Matemática não é ruim, o princípio não está incorreto, o que está incorreto é implementar uma troca de matriz curricular no meio do ano. Os alunos já estavam acostumados com aquele determinado professor e alguns não terão mais o mesmo professor e, enquanto isso, esses novos professores ainda não chegaram. Nós entendemos que há toda uma demanda burocrática. Na prática, enquanto não chegam os professores, nós estamos mantendo os cinco períodos de uma hora e os professores permanecem nas duas disciplinas. A partir do momento que chegar o primeiro professor dessa nova leva, aí nós vamos ter que remanejar as turmas e refazer nossos horários. Isso gera uma série de transtornos, principalmente de organização de turmas e também, a meu ver, de ordem pedagógica, com a mudança de professor praticamente no último trimestre do ano, isso é bem complicado”, avalia.

Para Rosane, a maioria das escolas do Estado não terá condições de colocar novos professores das disciplinas, um problema que passa pela perda de atratividade da profissão após anos de precarização das condições de trabalho na rede estadual. “Já existe uma falta, mesmo porque o Estado já não é mais atrativo para o professor. Tu imagina sete anos de salários parcelados e congelados, não tem mais essa atração em ser professor estadual”, diz.

A diretora do Cpers lembra também que a matriz curricular já havia passado por uma modificação em 2019, já no governo de Eduardo Leite, mas durante o período do secretário Faisal Karam, em que os períodos foram aumentados de 50 para 60 minutos, o que é revertido na portaria atual. Ela critica o fato de que a mudança ocorre praticamente no último trimestre do ano e sem passar por deliberação da comunidade escolar, o que feriria o princípio de gestão democrática das escolas. “Muitas escolas eram contrárias a essa modificação, porque muitos professores, dependendo da área, perderam carga horária. E, agora, o governo muda de novo, de forma açodada. Claro que a gente não é contrário à recuperação, sabemos a necessidade porque nós temos há um ano e pouco os alunos fora das sala de aula”, diz.

A reportagem encaminhou questionamentos adicionais à Seduc sobre a implementação da nova organização curricular, sobre o número de escolas que implementaram a nova matriz nesta segunda-feira e sobre a dificuldade de contratação de professores. Até a publicação desta reportagem, a Seduc ainda não havia dado retorno.

Edição: Sul 21