Distrito Federal

Coluna

Mobilidade: direito humano e democrático de ir-e-vir

Imagem de perfil do Colunistaesd
Pedestres e ciclistas no Eixão do Lazer - Acacio Pinheiro/Agência Brasília
O crescimento com qualidade do sistema de transporte público no DF é uma necessidade urgente!

O dia 19 de agosto marcou o Dia do Ciclista. Um canal de televisão de Brasília aproveitou e produziu um programa tipicamente “limpinho, cheiroso e glamouroso”, unindo o uso da bike ao circuito ambiental e ao circuito turístico do DF. A única problematização levantada foi quanto à malha cicloviária do DF (a maior do país, com 550 km de extensão) e a necessidade de melhorá-la, visto que ainda há muitos pontos de descontinuidade em seu percurso.

Questões como a segurança dos ciclistas, prevenção de roubos e furtos de bicicletas, sistema de registro das bikes etc,  foram omitidas no referido programa de TV, cujo foco foi direcionado ao “ciclismo esportivo e de lazer”, ignorando o “ciclismo funcional”, aquele que é instrumento de deslocamento (ida-e-volta) da casa para o trabalho, para escola, para compras no comércio, ou seja, deslocamentos do dia-a-dia distâncias de no máximo 10 km ou distâncias maiores com integração com ônibus, metrô.

Aliás, abordar o tema das bikes como modal de transporte e mobilidade é uma necessidade nas regiões metropolitanas do país. Veículo de transporte ágil, simples, relativamente barato, não poluente e saudável para o corpo e para a mente. 

Dessa maneira, dada a diversidade de demandas,  necessidades e a dinâmica de grandes cidades e regiões metropolitanas, como o DF e Entorno, a bicicleta se afirma como uma alternativa para a modalidade urbana, onde se destacam, prioritariamente, o transporte público de massa: ônibus e metrô, como também o ainda não implantado VLT, o BRT, complementados pelo carro, moto, barco, triciclos e charretes (em bairros rururbanos).

A partir disso, há que considerar que o ponto de partida da discussão da crise do sistema de transporte e mobilidade é o transporte de massas, que aqui em Brasília é o ônibus e, em segundo lugar, bem distante do primeiro, o metrô. Também não podemos esquecer-nos do trem ligando o entorno metropolitano sul ao centro de Brasília (assunto que demanda um artigo específico).

O crescimento com qualidade do sistema de transporte público no DF é uma necessidade urgente! Investimentos têm que serem feitos para espraiar a malha metroviária e de linhas cobertas com o BRT e VLT. É preciso vencer esse desafio. Sabemos que o sistema democrático-eleitoral acaba “conspirando” contra esse conceito de planejamento, visto que investimentos dessa ordem, que exigem recursos vultosos e alteram a rotina da cidade, levam bem mais do que os quatro anos de mandato de governador, considerando toda a trajetória do projeto, obras e etc,., até o momento da inauguração.

Junto a esse desafio, temos um elemento novo que anda sacudindo a ideia de planejamento urbano: a pandemia, que não tem data para terminar. Um duro e radical replanejamento das cidades se impõe. Ônibus e metrô não poderiam mais andar lotados, por exigência sanitária. Todo sistema de mobilidade teria que se adaptar à necessidade de distanciamento entre pessoas, ventilação e higienização dos veículos. 

Por outro lado, grandes deslocamentos para trabalhar e estudar teriam que ser desestimulados. O “trabalho remoto” também tem que ser considerado, ainda que não abarque a ampla maioria da classe trabalhadora. O deslocamento presencial continua sendo um imperativo para a maioria da população, devendo impor outro padrão produtivo, de oferta e demanda de mão-de-obra, de maneira que favoreça que as pessoas trabalhem/estudem no máximo a 10 km do seu local de moradia e, como requisito tão importante quanto à proximidade do trabalho ou da escola, que todos e todas tenham o direito a acessar a internet, dentro de uma política pública de inclusão digital.

Simultaneamente, articular todos os modais de transporte, com corredores exclusivos de ônibus, regulamentação do moto-taxi (para deslocamento dentro de cada cidade ou bairro), desestímulo ao uso do carro particular, propiciar condições dignas de trabalho para os trabalhadores de transporte por aplicativo, e estimular o uso do transporte por moto e lambretas de baixa cilindradas, além do transporte por bike.

Lembrete: garantir calçadas amplas e transitáveis para o deslocamento a pé para a acessibilidade de pessoas com deficiência.

A tarifa-zero do transporte público é um tema a ser discutido também. Faz parte do direito democrático e universal de ir-e-vir. Quem não tem salário e emprego ou está na informalidade, acaba excluído do direito de usar ônibus e metrô, tendo em conta o preço da passagem. 

O GDF despende em média 500 milhões de reais por ano (*) como repasse às empresas de transporte rodoviário urbano, a título de “subsídio/tarifa técnica e cobertura da gratuidade”. Calcula-se que mais 300 milhões de reais dariam conta de liberar o povo do pagamento da passagem de ônibus. Ou seja, é uma despesa adicional relativamente pequena para os cofres do GDF, mas que traria um grande retorno para toda a sociedade. Revitalizar a TCB para cobrir todo o DF poderia ser um bom começo para a implantação da tarifa zero.

Reiterando que todas essas propostas devem incluir o entorno metropolitano!

E acreditem no sonho do Mestre Oscar Niemeyer: uma Capital Federal acolhedora e inclusiva é possível!

(*) dados de 2019

*Afonso Magalhães é Economista e Coordenador de Direitos Humanos e Relações Internacionais da Central de Movimentos Populares (CMP-DF)

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.

 

 

Edição: Márcia Silva