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Voltemos às feiras!

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Feira do Bicalho (Taguatinga - Distrito Federal) - Olívio José da Silva Filho
Mesmo com o imperativo dos supermercados, as feiras livres têm resistido a seu poderio

 

Os supermercados se tornaram hegemônicos no abastecimento alimentar. Do ponto de vista histórico, os supermercados, e, ainda mais, os atacarejos, são fenômenos relativamente recentes no arranjo do abastecimento alimentar e refletem uma dinâmica da vida urbana marcada pela compressão do espaço e do tempo, onde as formas de satisfação das necessidades devem ser escaladas, concentradas e reproduzidas de maneira a satisfazer primeiramente as necessidades do capital.

O setor supermercadista foi um dos que mais lucraram com a pandemia, mesmo com a queda da renda e da capacidade de endividamento da população.

Isso se deu por um conjunto de fatores, entre eles: o aumento da estocagem de alimentos pelas famílias; o aumento do número de refeições realizadas nos domicílios com o fechamento da maior parte dos bares e restaurantes; o fechamento temporário de feiras-livres e outras formas de abastecimento informal; o enfraquecimento dos arranjos locais como as mercearias; a busca por preços mais baixos devido ao aumento do preço dos alimentos - principalmente em atacarejos, onde são ofertados alimentos processados e ultraprocessados em preços mais baixos devido a sua capacidade de negociação-; e o aumento de seus canais de comercialização através do e-commerce.

Nesse sentido, os supermercados ganham novas dimensões na capacidade de ditar aquilo que comemos e queremos comer, enfraquecendo outras alternativas de abastecimento e contribuindo para o avanço da fome. Por meio do aumento abusivo e do controle do preço dos alimentos – e de doenças crônicas não-transmissíveis associadas à alimentação, um exemplo gritante: o aumento da oferta de ultraprocessados.

Contra resposta

Diante desse cenário, torna-se imperativo o fortalecimento de canais de abastecimento que fujam dessa lógica e que promovam uma outra relação entre a comida e os comensais, como é o caso das feiras-livres.

As feiras-livres são uma das mais importantes e antigas formas de abastecimento alimentar urbano, capaz de proporcionar não somente ingredientes e alimentos prontos para o consumo, mas também é um espaço de sociabilidade e troca.

Diferente dos supermercados, as feiras conseguem ter alimentos mais frescos e preços muito mais competitivos em relação a frutas, legumes e verduras, através do encurtamento de atravessadores e de uma relação mais próxima com quem produz.

Outro elemento importante das feiras é que elas provisionam uma maior variabilidade de alimentos in natura e minimamente processados.

Nos supermercados a variabilidade se dá no sentido dos alimentos ultraprocessados, onde é possível encontrar uma quantidade imensa de mercadorias que somente mudam alguma característica e opções bastante restritas de frutas, legumes, verduras, cereais, farinhas e condimentos.

As feiras também dão espaço para ingredientes e receitas tradicionais. Ervas e raízes medicinais, ingredientes locais e regionais convivem com as mais diversas preparações típicas de feira-livre.

Um confronto a lógica supermercadista

No Distrito Federal, a Feira do Bicalho, localizada em Taguatinga, uma das maiores e mais antigas do quadradinho, é exemplo disso. Nessa feira, é possível comprar todos os alimentos necessários para o consumo familiar, promovendo um espaço que humaniza as relações entre a comida e os comensais, construindo um lugar de pertencimento e partilha, girando em torno de uma alimentação mais socialmente referenciada.

A cultura e as raízes nordestinas que marcam a construção do espaço urbano do Distrito Federal são fortemente expressadas na oferta dos alimentos e preparações, tanto na Feira do Bicalho como em outras feiras-livres ou feiras permanentes, referências estas incapazes de serem realizadas no setor supermercadista.

Como pudemos observar, mesmo com o imperativo dos supermercados, as feiras-livres tem resistido a seu poderio, tendo a faculdade de qualificar a alimentação brasileira, fugindo da lógica da homogeneização dos hábitos alimentares.

Nesse sentido, falar hoje em uma mudança qualitativa dos sistemas alimentares, passa por compreendermos a necessidade de confrontar a lógica supermercadista do abastecimento alimentar, onde as feiras-livres têm um papel fundamental para a construção de uma nova relação com o alimento. .

* Olivio José da Silva Filho é gastrônomo, doutorando em Política Social pela Universidade de Brasília, militante do Levante Popular da Juventude e da Consulta Popular.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa  a linha do editorial  do jornal Brasil de Fato - DF.

 

Edição: Márcia Silva