Distrito Federal

Coluna

O Direito à cidade: Brasília ontem e hoje

Imagem de perfil do Colunistaesd
Brasília, terra que segrega - Jefferson Alves de Barcellos
A segregação territorial e espacial é uma característica fundamental de uma sociedade desigual

 

Quando Oscar Niemeyer ajudou a conceber Brasília, imaginou uma cidade ao mesmo tempo administrativa e socialista, com funcionários públicos (independentemente do cargo de cada um) vivendo próximos, ocupando o mesmo espaço das superquadras e frequentando os mesmos equipamentos públicos e estabelecimentos comerciais nas “ruas” das entrequadras.

Tudo parecia conspirar a favor de uma “Brasília socialista”.

Uma cidade começando do zero, num Brasil democrático, com uma emergente classe operária concentrada principalmente em São Paulo, mas tão necessário desenvolvimento das forças produtivas que lembrava uma famosa frase de Luis Carlos Prestes, ao final dos anos 40: o “Brasil precisa de mais capitalismo”, no que desembocou nas boas relações da esquerda com o “liberal-desenvolvimentista” Juscelino Kubitschek, o então presidente brasileiro que comandou a megaempreitada da construção da nova Capital Federal.

Ocorre que essas idealizações sobre a construção de uma sociedade com menos ou nenhuma desigualdade social são sempre colocadas à prova da realidade da vida concreta de uma sociedade dividida em classes sociais com seus interesses antagônicos.

Assim, os núcleos habitacionais distantes do Plano Piloto foram surgindo para acolher, bem longe do centro de Brasília, a população operária que construía os prédios na região central da Capital. Eis que surge Taguatinga, Gama e Sobradinho. Não havia lugar para todos no coração da Capital Federal.

A segregação territorial e espacial é uma característica fundamental de uma sociedade desigual, onde o preço da terra faz parte da repartição da mais-valia extraída da força-de-trabalho que produz as mercadorias na base produtiva da sociedade capitalista.

Embora o Plano Piloto não abarque hoje a mesma quantidade relativa de postos de trabalho do DF (já chegou a 70% de todos os empregos gerados na Capital) e ainda que a pandemia tenha o colocado na liderança do trabalho remoto (home office) no país, o fato é que a região central de Brasília e suas adjacências ainda é o destino diário de milhares de brasilienses.

Além disso, no mesmo diapasão, o “coração de Brasília” continua sendo o vetor principal que infla as bolhas de especulação imobiliária em toda a região, na medida em que a “mercadoria terra” é das mais caras da Capital. 

Assim, os aluguéis em Brasília mantêm-se nas alturas, e sustentando esses preços especulativos, existem cerca de cem mil imóveis desocupados reduzindo a oferta. Imóveis que, por comprovada ociosidade, deveriam pagar muitas vezes mais IPTU do que atualmente pagam. 

E, na outra ponta, temos aproximadamente cem mil famílias que sonham em ter uma casa para morar sem serem esfoladas com o pagamento de valores exorbitantes de aluguel ou prestação de financiamento bancário.

Outro dia a imprensa divulgou que o Governador do DF estava enredado em um processo de partilha de bens em divórcio que geraria o pagamento de imposto (ITBI) abarcando 109 imóveis. 

Ora, pra que uma pessoa precisa de 109 imóveis?? Especulação? Lavagem de dinheiro? Acumulação para seus descendentes (herança)?

Enfim, a atividade parasitária, especulativa e improdutiva, parece ser o fetiche pós-moderno das classes dominantes!

À luz dos dados sobre o capital sobreacumulado no mundo, contabilizado em centenas de trilhões de dólares, percebe-se que cada vez menos burgueses estão dispostos a produzir mercadorias, com plantas produtivas, gerando empregos, com economias externas geradas pelo Estado, vilas operárias e todo o dinamismo territorial que a atividade produtiva, criadora de riqueza e de valor enseja.

Mas, voltando à linha do tempo do DF…

A exclusão territorial/espacial continuou ao longo de décadas: as Taguatingas, Gamas e Sobradinhos dos anos 60, ou seja, a “perifa” daqueles tempos, atualmente é representada mais acentuadamente por Águas Lindas, Planaltina de GO, Santo Antônio do Descoberto e os municípios do entorno metropolitano Sul (Cidade Ocidental, Valparaíso e Novo Gama).

A Brasília de 500 mil habitantes de Oscar Niemeyer tem pouco a ver com a Região Metropolitana de Brasília dos tempos atuais, com seus 4 milhões de habitantes.

De todas as maneiras, a Brasília Socialista continua um sonho: de Niemeyer aos dias de hoje. 

Se a “burguesia nacional” dos tempos atuais não é a mesma da época de Juscelino Kubistchek, na medida em que não se propõe a priorizar projetos desenvolvimentistas, geradores de emprego e riqueza (como tarefa histórica da burguesia que derrotou e esmagou o atraso histórico do sistema feudal a partir do século XVIII), então, que a classe trabalhadora alcance um nível de ação político-organizativa que dê conta de assumir essa tarefa histórica que os capitalistas mostram-se incapazes de levar à frente.

 

*Afonso Magalhães é Economista e Coordenador de Direitos Humanos e Relações Internacionais da Central de Movimentos Populares (CMP-DF)

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa  a linha do editorial  do jornal Brasil de Fato - DF.

 

Edição: Márcia Silva