Paraná

Saúde mental

Casos de suicídio aumentam entre jovens de comunidades indígenas no Paraná

Em um mês, quatro jovens Ava Guarani do oeste do estado tiraram as próprias vidas

Curitiba (PR) |
Manifestação em Brasília contra PL 490, que retira direitos dos povos indígenas - Foto: Tiago Miotto/Cimi

A noite começava a cair no Tekoha Ocoy, na região de São Miguel do Iguaçu (PR), quando as principais lideranças da comunidade eram avisadas de mais uma tragédia. Um jovem adolescente tirava sua própria vida. Em um mês, foram quatro suicídios. A pandemia, o avanço do agronegócio na região, a impossibilidade destes jovens trabalharem e as dificuldades em terem acompanhamento espiritual e psicológico têm criado uma verdadeira epidemia de problemas de saúde mental na comunidade Ava Guarani.

Celso Joeoew Alves, 32 anos, é coordenador da comissão Ava Guarani e liderança da aldeia Ocoy. Ele atendeu à reportagem do Brasil de Fato Paraná, por telefone, quando estava em Brasília, na mobilização nacional contra o PL 490, que altera a legislação da demarcação de terras indígenas. Na terça-feira (22), data em que estava prevista a análise do projeto pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), a manifestação terminou com uma ação truculenta da polícia e feridos. No dia seguinte, o texto foi aprovado na comissão.

Alves relata que casos de suicídio e depressão entre jovens indígenas já ocorriam, mas nos últimos tempos há uma explosão. "Tivemos surto de suicídio entre adolescentes, nesse mês foram quatro. Perdemos vários jovens, e não foi agora só nesse mês, antes já sofríamos, estamos até falando com os nossos xamãs e rezadores, mas na pandemia estamos tendo dificuldades para reuni-los e prestar auxílio a esses jovens", conta.

O líder indígena ainda cita o papel do agronegócio e da evangelização forçada em jovens e adolescentes que, para ele, contribuem para o cenário. Para Celso, o avanço da monocultura da soja na região impossibilita o desenvolvimento da agricultura familiar e a possibilidade de trabalho e manejo com a terra. "Estamos cercados de soja por todos os lados, o que nos tira a chance de conseguirmos incentivar nossos jovens a produzirem."

A religião, e o papel de comunidades evangélicas entre indígenas, de acordo com a liderança, tem agravado a crise. "Quando um membro entra na igreja, o pastor obriga todos a se batizarem. Sei de um jovem que se suicidou, em Itaipulândia, que me contou antes de tirar sua vida que os pais estavam obrigando-o a se batizar e ele não queria", revela.

PL 490, retrocesso

Thaynara Nagliate é psicóloga do Centro de Referência da Assistência Social (Cras) e do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) de Diamante do Oeste e acompanha diversas comunidades pelo Sistema Único de Assistência Social (Suas). Ela conta que ainda não há um diagnóstico ou estudo preciso, mas, pela sua percepção, o não reconhecimento da cultura indígena e o abuso de drogas e tóxicos afetam os jovens. "Ociosidade, falta de perspectivas e influência da cultura não indígena afetam diretamente", conta.

Thaynara afirma que há um "processo de formiguinha" para garantir às aldeias serviços públicos como assistência social, saúde e psicólogos. "Conseguimos a liberação para atuarmos como Cras, para levar o cadastramento de serviços sociais como Bolsa Família, BPC [Benefício de Prestação Continuada] e também acolhimento de crianças, jovens e mulheres", explica.

Porém, o governo Bolsonaro tem contribuído para a destruição de diversos direitos históricos indígenas e fechado o cerco com o avanço do agronegócio e da violência contra os povos originários. É o que avalia o professor de História pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) Paulo Porto.

Ele destaca que nenhum governo foi tão agressivo contra a causa indígena quanto o de Jair Bolsonaro. "Nunca tivermos um governo inimigo de morte contra os povos indígenas, esse projeto [PL 490] é um retrocesso monstruoso, um combo que impede novas demarcações, mas leva à entrada do capital agrário nas áreas indígenas, como o garimpo, o que seria uma tragédia do ponto de vista ambiental, cultural e humanitário", critica.

Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini