Rio Grande do Sul

Vacinação

‘O erro foi nós termos acreditado que não ia faltar’, diz diretor da SMS

Para imunologista os municípios erraram ao não garantir a reserva de doses para a segunda aplicação

Sul 21 |
Aplicação da segunda dose de CoronaVac está em atraso no Estado - Felipe Dalla Valle/ Palácio Piratini

Após divulgar nota na quarta-feira (20) informando que estava distribuindo uma nova remessa de vacinas da CoronaVac para zerar o déficit de doses em atraso para a segunda aplicação do imunizante, o governo do estado informou nesta quinta-feira (21) que a Secretaria da Saúde (SES) está avaliando os dados informados pelos municípios para decidir quais medidas serão tomadas para acabar com a fila.

Na quarta, o governo informou que já havia distribuído 1.650.580 vacinas CoronaVac para municípios aplicarem a primeira dose (D1) e a mesma quantidade para a segunda dose (D2). Já a nota oficial da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (Granpal), assinada pelo prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, e divulgada no mesmo dia, afirma que os municípios da região receberam uma nova remessa de 79.890 doses, enquanto registravam, somados, um déficit de 162.090 doses.

Em conversa com o Sul21 nesta quinta, o diretor da Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre, Fernando Ritter, diz que não há como ter certeza do número de pessoas que estão com a segunda dose atrasada e que a pasta fez uma varredura do banco de dados para chegar a um número mais aproximado, o que implicou excluir as pessoas com mais de 60 anos que já tiveram mais de uma oportunidade para tomar a segunda dose e não o fizeram. “A gente estima que, em Porto Alegre, talvez falte um pouco mais de 10 mil pessoas. Mas a gente já identificou 17 mil pessoas que não são moradoras de Porto Alegre que tomaram D1 e não tomaram D2, pode ser que elas não venham a Porto Alegre tomar a segunda dose. Pode ser que tentem em seu município. A certeza absoluta só vamos ter quando fecharmos a vacinação e vermos quantas pessoas faltaram”, afirma Ritter.

A secretaria estadual informou nesta quinta que irá analisar os dados informados pelos municípios ao Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) e verificar o que ocorreu para gerar o déficit. As hipóteses avaliadas pela SES incluem desde falhas nos registros até migrações entre municípios, ou seja, pessoas que tomaram a primeira dose em um lugar e agora precisam tomar a D2 em outro, além de algum possível equívoco de uso da D2 como primeira dose. Pelos registros do SI-PNI, das 1.650.580 doses distribuídas pelo Estado aos municípios para a D2, 538.755 doses ainda não foram aplicadas ou não foram registradas no sistema.

“Conforme os municípios forem vacinando e registrando, vamos continuar acompanhando para entender a situação de cada local e atuar em conjunto com os gestores na busca de soluções. Se preciso, vamos recorrer ao Ministério da Saúde para completar eventuais faltas de doses. O importante é que o esquema vacinal dos gaúchos se complete para que possamos avançar na superação dessa pandemia”, afirma a secretária da Saúde, Arita Bergmann.

Entre as possibilidades estudadas está o remanejamento de saldos entre municípios.

Apesar de o governo defender que já distribuiu doses suficientes para que os municípios completassem o esquema vacinal de todas as pessoas que receberam a primeira dose da CoronaVac, Fernando Ritter diz que há questões da “vida real” que não estão sendo levadas em conta pelo governo. “A matemática é exata, mas a vida real faz com que as coisas não sejam tão exatas assim. O mesmo número de D1 foi colocado para D2, mas, na prática, quando eu abro um frasco de dose, eu não abro um frasco de D1 e outro de D2, a gente vai tentando regularizar isso ao longo do tempo. No final do dia, tem a xepa, o que sobra da vacina. Então, se eu tenho um frasco de D2 aberto e sobrou seis doses, eu aplico a primeira dose em quem tiver. Essas doses já não vão fechar a conta matemática. Eu tenho frascos que não foram aspirados com dez doses, que vieram com oito, isso já foi relatado. Só aqui em Porto Alegre eram 1.900 doses a menos, e agora o número já está maior. O número já não vai fechar”, exemplifica.

Ritter diz que já conversou com a secretária Arita Bergmann e expôs que foram usadas doses que deveriam ser destinadas para D2 em D1, mas que isso ocorreu em todos os municípios. “Na vida real, tu tem uma fila de gente bufando, acabou D1, tu usa depois e depois repõe, e vice-versa. Isso não é erro, a gente está preocupado em vacinar. E, outra questão importante, se faltar, uma hora vai chegar”, afirma. “Eu não vejo problema, se faltar, temos que correr atrás de mais doses. Eu não acho erro ter dado a oportunidade das pessoas tomarem pelo menos a primeira dose. Eu acho que o erro foi nós termos acreditado que não ia faltar, mas faltou”, afirma, referindo-se à orientação do Ministério da Saúde de que não deveriam ser reservadas doses para a segunda aplicação porque o fluxo de reposição seria suficiente para suprir a demanda.

A imunologista Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e integrante do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), explica que os municípios erraram ao não garantir a reserva de doses para a segunda aplicação. “A vacina tem duas doses, se tu tem 20 doses, dá para imunizar 10 pessoas, essa é a matemática. O que todo mundo tem que fazer é, quando recebe [a remessa], reserva a segunda dose da pessoa que recebeu a primeira. Por quê? A gente fala desde o início que a pessoa não está imunizada com apenas a primeira dose. Então, não guardar é errado”, diz. “A gente está falando isso há quase um ano. Falamos todas as semanas que é pra fazer uma coisa e os gestores fazem outra”.

Para a professora, o problema da falta de doses é gerado pela corrida dos entes para “preencher o vacinômetro” e mostrar um maior número de pessoas vacinadas com a primeira dose. “Esse número não significa nada, porque a primeira dose não imuniza. Então, tem que parar de divulgar o vacinômetro e divulgar apenas o número da segunda dose”, diz, acrescentando que essa prática foi estimulada por uma orientação dada pelo Ministério da Saúde de que não deveria ser feita a reserva de doses porque o fluxo de remessas seria suficiente para suprir a demanda. “As cidades que guardaram a segunda dose conseguiram completar o regime de imunização. As que não guardaram e foram atrás da orientação do Ministério, não conseguiram”.

Cristina Bonorino explica ainda que este problema da falta de doses não ocorre em outras vacinas que exigem esquemas vacinais semelhantes porque, em outros casos, a produção é suficiente para atender a demanda. “Tem vacinas do PNI que são meses entre uma dose e outra, às vezes até anos, então tu não precisa ter esse número de vacinas guardados. A produção de vacinas de sarampo, por exemplo, atende a demanda. Tu sabe exatamente o quanto tu tem que fazer. Mas, nesse caso, tu não atende a demanda, é por isso que é tão importante guardar a segunda dose para completar o regime de imunização”, afirma.

Em razão dos problemas de falta de doses que levaram à formação de filas em unidades de saúde, a Prefeitura de Porto Alegre, que havia seguido a orientação do Ministério, decidiu passar a garantir a reserva de doses para a segunda aplicação. “A gente não quer que as pessoas façam fila de madrugada, mas as pessoas estão desacreditadas e eu não tiro a razão delas. Prometeram que não ia faltar dose e, de repente, falta. ‘Quem diz que não vai faltar? Então eu prefiro me garantir e ficar 12 horas na fila’. São questões reais”, diz Fernando Ritter.

Ele diz ainda que, para tentar zerar o déficit de pessoas que não tomaram a segunda dose, incluindo as que não compareceram aos pontos de vacinação quando deveriam, a Prefeitura irá adotar um novo sistema que organizará a fila da vacina por tempo de atraso. “Tem gente que deveria tomar em fevereiro e ainda não tomou. Elas tiveram a oportunidade. Tu acha que todas elas vão vir? Tem uma galera dessas que não são moradores de Porto Alegre, tem profissionais de saúde que estão nos hospitais e talvez tenha ficado para trás na hora da digitação. Eu tenho certeza absoluta que vai chegar lá no final e vai acabar faltando alguma coisa, mas não vai ser muito. Para Porto Alegre, se tu parar e pensar, 10 mil doses não é nada. Pelotas anunciou que é 20 mil doses e tem um quinto da população. Então, em vez de ficar tentando achar culpado, vamos tentar vacinar o maior número de pessoas e ponto final”, diz.

Edição: Sul 21